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Um crime, alguns suspeitos e poucos indícios. Diante desses elementos, perfeitos para uma trama de suspense, a polícia brasileira costuma agir à moda dos antigos romances do gênero: na base da intuição, muitas vezes falha, ou contando com a confissão de algum dos envolvidos. Esse método anacrônico de investigação está prestes a mudar radicalmente.

Um convênio firmado em Salvador na semana passada, entre o governo do Brasil e o Federal Bureau of Investigation (FBI), dos EUA, coloca nossos policiais na contemporaneidade dos países desenvolvidos nesse setor. A PF poderá utilizar o programa Combined DNA Index System (Codis), o maior banco de dados de DNA do mundo, capaz de interligar os arquivos de genes estaduais a uma central em que as informações de todo o País serão processadas.

De posse das características genéticas de um suspeito, os policiais poderão saber em minutos não apenas se suas marcas estão na cena do crime, mas também se ele tem contra si alguma condenação ou processo. "Os criminosos não respeitam fronteiras e esse recurso vai impedir que, ao mudar de Estado, eles fiquem impunes", diz David Brassanini, adido do FBI na embaixada americana.

A tecnologia do Codis é simples – porém, precisa. No local onde aconteceu o delito, os policiais coletam informações genéticas. Levados a um laboratório, esses elementos são identificados em microscópio e depois convertidos em um código numérico binário. A partir daí, as informações são adicionadas ao banco de dados, que vai compará-las com dados coletados em 30 países. A polícia americana já utilizou o sistema em 88 mil investigações. "O Codis não serve apenas para condenar as pessoas. Funciona também para inocentar alguém que esteja sendo acusado injustamente", diz a procuradora federal americana Karine Taxman- Moreno.

Outra utilidade dessa sofisticação, que combina genética e tecnologia, é auxiliar na localização de pessoas desaparecidas. Atualmente, 15 Estados brasileiros mantêm bancos de DNA. Sem um sistema de gerenciamento único, no entanto, esses arquivos acabam tímidos demais no combate aos integrantes do crime organizado. Além disso, esse novo programa dará acesso a informações no Exterior.

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Para ampliar a atuação e receber o Codis, o primeiro passo será padronizar os sistemas de informática de cada um deles para que possam funcionar de forma integrada. Depois, uma equipe do FBI treinará policiais, procuradores e juízes. Brassanini acredita que os agentes brasileiros não terão dificuldade para trabalhar com o novo software: "A Polícia Federal do Brasil atua de forma muito parecida com a do FBI. Eles sabem como agir, mas para isso precisam de recursos tecnológicos." O Instituto Nacional de Criminalística, em Brasília, será o responsável pelo gerenciamento do Banco Nacional de Perfis Genéticos e a implantação começará pela Bahia.

Para que essa tecnologia funcione plenamente é preciso alguns ajustes na legislação brasileira. A nossa Constituição determina que nenhum cidadão é obrigado a produzir provas contra si. Assim, os policiais não teriam como obrigar um acusado a ceder material para coleta de DNA. Se essas informações ainda não fizerem parte do banco de dados, nada poderá ser feito.

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ACORDO Luiz Fernando Corrêa, diretorgeral da Polícia Federal, e Louis Grever, do FBI

Na solenidade na qual foi firmado o convênio, o diretor-geral da Polícia Federal, Luiz Fernando Corrêa, pediu aos legisladores que ajudem a modificar essa situação: "A tecnologia nós temos. Esperamos agora que o Legislativo diga em qual limite devemos utilizá-la." Também nos EUA a lei não obriga os suspeitos a produzirem provas contra si mesmos, mas esse princípio, digamos assim, não é tão rígido. "É possível conseguir mandado judicial", diz a procuradora Taxman-Moreno.

A mudança na lei brasileira poderia ser no sentido de fazer com que todo cidadão registre o seu código genético no momento em que requer o documento de identidade – nada muito diferente do que deixar no arquivo policial as impressões digitais. Mas essa é uma discussão muito mais ampla porque envolve os direitos individuais também garantidos constitucionalmente – e, sobretudo, envolve o campo da ética.


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