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SEM PUDORES
Ana Arraes diz que não costuma descartar processos só pelo
fato de envolver Pernambuco ou o órgão ser comandado pelo PSB

A eleição da deputada federal Ana Arraes para o Tribunal de Contas da União (TCU), em setembro, foi resultado de uma intensa articulação do PSB na Câmara dos Deputados e junto ao Palácio do Planalto. O principal cabo eleitoral da parlamentar foi o próprio filho, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos. Toda essa mobilização levantou dúvidas sobre a imparcialidade da nova ministra no julgamento de contas de interesse dos socialistas. Para afastar as suspeitas, Ana Arraes logo declarou que não analisaria nenhum processo ligado ao Estado de Pernambuco e aos órgãos administrados pelo PSB. “Os requisitos que os ministros do TCU têm são os mesmos dos juízes. Estou impedida por lei”, disse. Mas não é bem isso o que tem ocorrido. Levantamento feito por ISTOÉ mostrou que Ana Arraes já relatou no TCU ao menos 15 acórdãos envolvendo o Ministério da Integração e o estado de Pernambuco, governado pelo seu filho.

No início do ano, por exemplo, a ministra não se negou a relatar o acórdão de um rumoroso processo envolvendo o Ministério da Integração, sob o controle do PSB, e o consórcio Logos-Concremat. O consórcio foi acusado pelo próprio TCU de fraudar a execução de um contrato de gerenciamento de obras da transposição do rio São Francisco. O procurador-geral do TCU, Lucas Furtado, determinou em relatório que o ministério cobrasse das empreiteiras a devolução aos cofres públicos de até R$ 27 milhões decorrentes de sobrepreço na mão de obra e no custo direto. Caso o governo não o fizesse em 180 dias, o tribunal recomendava a anulação do contrato. Mas um novo relatório assinado por Ana concedeu ao ministério mais 120 dias de prazo para o cumprimento de determinações do TCU. Esse adiamento torna mais difícil a recuperação do dinheiro e permite que a empresa, acusada de fraude pelo próprio órgão de fiscalização, continue executando o contrato.

Questionada por ISTOÉ, Ana alegou que seus votos foram endossados pelo plenário do TCU e que acolheram “integralmente as propostas das unidades técnicas do tribunal”. A ministra também disse que não tem nenhuma relação com o consórcio Logos-Concremat. Mas, após ter relatado o processo em questão, garantiu ter firmado nova “convicção” e passou a se declarar impedida de relatar questões relacionadas à transposição do São Francisco. A obra está sob a responsabilidade do Ministério da Integração, hoje nas mãos dos socialistas. “A ministra não voltou e não voltará a atuar com relação ao tema”, disse sua assessoria.

Apesar do recuo em relação às obras da transposição, Ana continuou e continua atuando em casos envolvendo o Ministério da Integração e o Estado de Pernambuco, governado pelo seu filho. Entre eles, processos que julgaram irregularidades na Sudene, órgão ligado à Integração, na administração do Banco do Nordeste, que está hoje na cota do PSB, além do recálculo do percentual de repasse do Fundo de Participação dos Municípios para cidades pernambucanas. Num desses casos, o TCU havia julgado irregulares as contas de José Gaspar Cavalcanti Uchôa, ex-superintendente do Dnocs de Pernambuco, e o obrigou a pagar multa de R$ 30 mil. A ministra, no entanto, avalizou um recurso extemporâneo e aliviou a condenação de Uchôa, genro de Paulo Guerra, que foi vice-governador de Miguel Arraes, seu pai. Por meio de sua assessoria, Ana garantiu que “não possui nenhuma amizade, inimizade ou relacionamento próximo” com Uchôa. E que a redução da multa foi “devidamente fundamentada do ponto de vista técnico”.

Ainda há cerca de 50 casos envolvendo o ministério controlado pelo PSB e o Estado de Pernambuco sobre a mesa da ministra, segundo o sistema de consultas do próprio TCU. Ana Arraes diz que já se declarou impedida de atuar em 64 outros processos e, movida pela prudência, evita declarar seu impedimento de forma genérica ou de acordo com o tema. Prefere analisá-los, caso a caso, em seu gabinete.

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