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Carmen Miranda, a extravagante “brazilian bombshell”, não teria ganhado esse título e brilhado em Hollywood se, na sua rápida ascensão como cantora, não tivesse se apresentado em um espetáculo muito especial – o “jantar dansante” (assim mesmo, com s) do Cassino da Urca, no Rio de Janeiro. Foi nessa casa de jogos que, em 1939, ela foi vista pelo empresário americano Lee Shubert e convidada para ir aos EUA. Pelo mesmo palco, ladeado por espelhos e dotado de um sistema mecânico que o fazia avançar sobre a pista de dança, passaram também orquestras como a do Cotton Club e estrelas do porte de Bing Crosby e Josephine Baker. As mesas do luxuoso grill room – espaço para jantares climatizado com “sistema Carrier de refrigeração de ar”, luxo inédito para a época – recebiam gente não menos famosa e poderosa que incluía os políticos Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek, os empresários Roberto Marinho e Assis Chateaubriand, o beberrão e mulherengo cineasta Orson Welles e policiais como o chefe da polícia política do Estado Novo, Filinto Müller. A habilidade de fazer cruzar em um mesmo espaço figuras tão proeminentes da vida pública e artística deve ser creditada ao empresário mineiro Joaquim Rolla (1899-1972), cuja trajetória está sendo resgatada no livro “O Rei da Roleta” (Casa da Palavra), de autoria de João Perdigão e Euler Corradi.

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A vida de Rolla, que ganhou parte do cassino em uma rodada de pôquer e logo se tornou seu dono, dá um filme sobre a ousadia dos grandes empreendedores. Nascido no interior de Minas Gerais, sempre teve tino para os negócios. Foi vaqueiro, açougueiro, tropeiro e, num upgrade natural, construtor de estradas. O gosto pelo dinheiro levou-o a outro tipo de risco: as apostas nas mesas de truco. Já começava a se estabelecer financeiramente quando, numa rodada de cartas, perdeu uma tropa de mulas e teve de trabalhar duro para saldar a dívida. Foi quando desenvolveu o faro para o lance certo. Uma passagem do livro flagra-o já como uma raposa arisca ao avaliar e fechar negócios. Amigo de Chateaubriand, dividiu com ele uma mesa com o empresário americano Percival Farquhar, o investidor da estrada de ferro Madeira-Mamoré. Sua proposta: a venda da Itabira Iron Ore Company, mineradora que mais tarde se tornaria a Companhia Vale do Rio Doce. Rolla franziu a testa e cochichou com Chatô: se ele não concretizou esse negócio após 30 anos, por que eu o faria? E preferiu o brilho do music hall.

 

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Nem tudo, no entanto, era festa. O Cassino da Urca foi palco de prisões antológicas e seu próprio dono acabou detido por Filinto Müller em outubro de 1938, sob a suspeita de ter colaborado com o Levante Integralista. Durante a Intentona Comunista, em 1935, um grupo de rebeldes se refugiou nos salões do cassino. Outro episódio envolveu o irmão do presidente Vargas, Benjamin Vargas. Em 1945, ao ser nomeado chefe da polícia, ele ameaçou punir os oposicionistas do Estado Novo. Os seus comentários chegaram aos ouvidos dos militares, o que colaborou para a queda do presidente. Com a sua deposição e a ascensão de Eurico Gaspar Dutra à Presidência, em 1946, se encerrou o período de glória dos cassinos, que tinha na casa da Urca um dos endereços mais glamourosos.

 

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