chamada.jpg
POSIÇÕES
O super-campeão Kelly Slater: “Alguém vai ser preso no circuito?”, pergunta.
Abaixo, Jacqueline Silva, para quem a maconha deveria estar na lista negra

img1.jpg

O surfista brasileiro Neco Padaratz foi manchete nos jornais do mundo todo ao se tornar, em 2005, o primeiro atleta da modalidade a ser suspenso de uma etapa do World Championship Tour (WCT), a elite do surfe, por doping. Submeter os competidores a testes nunca foi uma prática da Associação de Surfistas Profissionais (ASP), organizadora do WCT. Mas, na etapa de Hossegor, na França, em 2004, o controle foi feito, excepcionalmente, porque o país tem políticas rígidas nessa seara. Padaratz havia ingerido suplementos alimentares para aliviar dores nas costas decorrentes de uma hérnia de disco e seu exame deu positivo para esteroides anabolizantes. Segundo ele, havia um trato: nenhum possível doping seria divulgado.

Mas não foi o que aconteceu. Então 13º colocado no ranking mundial, o surfista teve a suspensão de um ano anunciada. Outros três atletas, cujos exames também apontaram a presença de droga, não sofreram penalidades semelhantes e nem sequer tiveram os nomes revelados. Eles testaram positivo para o THC, o princípio ativo da maconha. “A maneira como conduziram aquele episódio prejudicou apenas a mim”, diz Padaratz. O caso ilustra como o mundo do surfe tem tolerância à Cannabis sativa, o que se comprova com as recentes posições da ASP. Pela primeira vez, a associação irá realizar exames antidoping em algumas etapas do circuito mundial – que acaba de começar na Austrália – em atletas que forem sorteados. O THC, porém, terá tratamento diferenciado.

img.jpg
CONTROLE
A Agência Mundial Antidoping não abre exceção para nenhuma droga

“A adoção dos testes tem a intenção de tornar a modalidade cada vez mais profissional e mais atrativa para patrocinadores receosos em aliar suas marcas com o esporte por não considerá-lo limpo”, diz o gerente do WCT, Renato Hickel, que nega o trato citado por Padaratz para o antidoping de 2005, mas admite que pode ter havido sigilo em relação aos competidores pegos com maconha no corpo. A contraditória regra anunciada, agora, pela ASP diz que quem for testado positivo duas vezes para THC não será suspenso nem terá o nome divulgado, o que passará a ocorrer somente no terceiro flagrante. “Não faz sentido abrir esse precedente se pretendem limpar o esporte. O correto seria fazer em todas as etapas, com todos os atletas”, diz a catarinense Jacqueline Silva, 32 anos, há 16 no WCT. “O sorteio também não é legal porque os caras (dirigentes) sabem quem fuma e quem não fuma, pode haver manipulação.” A ASP resolveu não seguir o protocolo da Agência Mundial Antidoping (Wada), que não alivia para atletas que fumem maconha e, sob o efeito da droga, participem de competições. O nadador Michael Phelps, por exemplo, multimedalhista olímpico, não escapou das penas da agência ao ser flagrado com THC no organismo.

Sem a chancela da Wada, não há como a modalidade ascender ao status de esporte olímpico, sonho antigo da Associação Internacional de Surfe (ISA), que responde pelo surfe amador. A ASP argumenta não aceitar a imposição de outros órgãos sobre as drogas que acarretam punição aos seus atletas e que a maconha não melhora o desempenho do competidor – pelo contrário, a letargia prejudicaria a performance sobre a prancha. “Alguém vai ser preso no circuito? Seria uma chatice para essa pessoa, constrangedor”, brincou Kelly Slater, a maior estrela do esporte, quando questionado se a maconha confere vantagem aos surfistas. Mas a questão ultrapassa o âmbito esportivo. Os surfistas são referência para muitos jovens, ditam moda e comportamento. A indústria do surfe movimenta R$ 8 bilhões por ano no Brasil e R$ 34 bilhões no mundo todo. A posição da ASP pode mandar uma mensagem equivocada aos simpatizantes do esporte.
“Surfista carrega a fama de maconheiro há muito tempo. Não penalizar logo de cara o atleta que fuma é como dar razão ao preconceito”, diz a atleta Jacqueline. A ASP, por meio do gerente Hickel, argumenta que, se o atleta apresentar altas doses de THC ou de ecstasy, uma droga sintética, pode ser suspenso logo no primeiro exame. Mas não explica o que considera altas doses. “Iremos analisar caso a caso”, diz ele. Em 2010, o surfista tricampeão mundial Andy Irons (leia quadro) morreu, entre outras causas apontadas, por ingestão de várias drogas. Passou da hora de a “cultura da droga” deixar o surfe profissional.

img2.jpg