02/03/2012 - 21:00
VIP
Niemeyer está acostumado a atender pacientes famosos.
Entre eles estão o ator Paulo José e o cantor Herbert Vianna
Ele já mexeu no cérebro do músico Herbert Vianna, da atriz Malu Mader, do ator Paulo José, do compositor Edu Lobo, do cineasta Fábio Barreto. Já tratou do governador fluminense Sérgio Cabral, do ator Flávio Silvino e do jornalista Marcos Sá Correa. Esses são apenas alguns dos nomes já divulgados da extensa lista de pacientes famosos do neurologista carioca Paulo Niemeyer Filho, 58 anos. Do pai de mesmo nome e profissão, ele herdou a habilidade para vencer os riscos que as cirurgias no cérebro acarretam – um movimento inadequado pode levar o paciente a ficar sem falar, andar ou inconsciente. Assim como o tio, o arquiteto Oscar Niemeyer, é apaixonado pelo Rio de Janeiro, cidade em que nasceu e vive, e onde opera de graça as pessoas que o procuram e não podem pagar. Casado, pai de quatro filhos, o médico não entende por que o brasileiro faz chek-up apenas do pescoço para baixo, deixando o cérebro de fora e abrindo mão da única forma de evitar as consequências do aneurisma, um dos tipos de acidente vascular cerebral. Nesta entrevista à ISTOÉ, ele diz ainda que a cirurgia tende a acabar e que a solução para a obesidade vai passar pela neurologia.
"A Malu Mader deu entrevista uma semana depois de ter sido
operada e ninguém dizia que tinha feito cirurgia na cabeça"
"Quando o doente é famoso, às vezes os médicos
deixam de fazer um exame que dói. No Brasil, o
caso mais emblemático é o de Tancredo Neves"
O sr. se importa de ser chamado de “médico de famosos”?
De jeito nenhum, me envaidece. Tenho por hábito nunca deixar de operar as pessoas que me procuram. Se não puder ser particular, pode ser na Santa Casa (hospital público do Rio de Janeiro), por meio do SUS, gratuitamente. Temos uma equipe que fica lá o dia inteiro. Procuro atender aos casos mais complicados.
Famosos são bons pacientes?
Saiu um artigo no “The New England Journal of Medicine”, a revista científica de maior prestígio no mundo, sobre tratamento do doente VIP. Mostra que o ex-presidente dos Estados Unidos Ronald Reagan e o papa quase morreram e como foram prejudiciais as confusões que ocorreram no atendimento dado a eles por causa do tumulto criado nos hospitais para onde forem levados (em 1981, em um atentado, Ronald Reagan levou um tiro que perfurou o pulmão esquerdo. Ficou 13 dias hospitalizado. O papa João Paulo II foi gravemente ferido a tiros no estômago, mão esquerda e cotovelo, em atentado, em maio de 1981. Ficou internado 22 dias).
Por que isso acontece?
Quando o paciente é famoso, muitas vezes o médico deixa de fazer um exame que dói ou evita dar um remédio que provoca reação incômoda para não chateá-lo. No Brasil, um caso emblemático é o do ex-presidente eleito Tancredo Neves (ele foi internado em março de 1985 com diverticulite e faleceu em 21 de abril, após 39 dias de tratamento) devido à quantidade de gente que entrou no centro cirúrgico, a confusão com a imprensa… Tem de manter a disciplina e a autoridade, não deixar de fazer o que tem de ser feito do ponto de vista médico, não fazer concessão porque o paciente é VIP. Não mudo nada porque o doente é famoso, por isso dá certo.
Não pesa a vaidade desses pacientes?
VIPs ou não, a primeira pergunta de quase todos é se precisarão raspar o cabelo nas cirurgias cerebrais. Hoje, não se raspa mais. E a pessoa não precisa enfrentar olhares e perguntas, passar por constrangimentos. A Malu Mader deu entrevista uma semana depois de ter sido operada (para retirada de cisto, em 2005) e ninguém dizia que tinha feito cirurgia na cabeça. Isso faz uma diferença enorme no pós-operatório, na autoestima. Às vezes, o doente fica deprimido não porque operou e sim porque raspou a cabeça.
Quais as novidades para o futuro da medicina?
A cirurgia tende a acabar. Não faz sentido abrir a cabeça, o tórax de um doente. Dois fatores serão decisivos: os estudos das células-tronco (células que se transformam em tecidos do organismo) levarão a um conhecimento enorme da biologia molecular. E isso possibilitará o surgimento de novos tratamentos para doenças como o câncer. A medicina do futuro vai ser baseada na genética, na biologia molecular. Outra novidade é que a cirurgia de obesidade será no campo neurológico.
Vamos tratar a obesidade por meio de intervenções no cérebro?
Existe uma técnica nova, a neuromodelação, também chamada de Estimulação Cerebral Profunda. Ela consiste na colocação de eletrodos em núcleos da base do cérebro e que, por meio de corrente elétrica, estimulam ou inibem a atividade desses núcleos. Assemelha-se a um marcapasso cardíaco. Agora, estuda-se isso no tratamento da obesidade porque muitos obesos têm, na verdade, doenças compulsivas nas quais a comida é apenas um fator da compulsão. Com a estimulação, feita no núcleo cerebral relacionado à recompensa que a comida proporciona, o indivíduo tem a sensação do prazer que a comida lhe dá, sem necessidade de comer. O mesmo procedimento será feito para o usuário de drogas.
Onde o método está sendo aplicado?
Há trabalhos nos Estados Unidos e na China.
A tecnologia está se sobrepondo ao médico?
Apesar dos avanços tecnológicos ainda há muita coisa na medicina que vem da observação do médico. Um dos quimioterápicos mais modernos e inteligentes, que impede que os tumores cresçam, nasceu da observação de um oncologista americano, Judah Falkman. Ele observou que crianças com síndrome de Down raramente tinham cânceres sólidos e verificou que isso se devia a um cromossomo a mais que eles têm. Isso aumenta a presença de uma proteína que impede a formação de vasos sanguíneos (o remédio criado a partir dessa descoberta inibe o surgimento de vasos sanguíneos para alimentar os tumores). Isso é interessante porque frisa que a simples observação do médico pode fazer uma diferença enorme.
As doenças do cérebro têm ligação com a depressão?
Acho que não. Houve uma época em que se acreditava que a depressão pudesse levar ao desenvolvimento de câncer, mas hoje ninguém mais acredita que haja essa relação. E livra o doente de achar que ele é que “fez” a doença.
Por que têm aumentado os casos de acidentes vasculares cerebrais (avc)?
Existem dois tipos de avc: isquêmico e hemorrágico. O primeiro acontece quando falta sangue por obstrução de alguma artéria, resultando em isquemia ou infarto cerebral. O hemorrágico é quando uma artéria se rompe provocando hemorragia cerebral, o popular “derrame”. Existem várias causas para os dois tipos. O aneurisma é um dos motivos frequentes do tipo hemorrágico.
Como ele se desenvolve?
O aneurisma é uma dilatação que se desenvolve ao longo da vida, em bifurcações de artérias cerebrais congenitamente enfraquecidas. À medida que essas dilatações progridem, as paredes vão afinando, como se fosse um balão de gás, e se rompem, produzindo hemorragia com alta mortalidade.
É possível evitar um aneurisma?
Não é algo que possa ser evitado com alimentação sadia e atividade física regular, por exemplo. Só há uma coisa a ser feita: check-up neurológico.
Mas isso não é divulgado.
As pessoas costumam fazer check-up do pescoço para baixo. Não incluem o cérebro. E uma das doenças que mais se beneficiam com isso é o aneurisma. Se tratado antes de sangrar, o risco de morte é de 2%, 3%. Depois, o prognóstico muda. As estatísticas mostram que quando o aneurisma sangra, 50% falecem nos primeiros 30 dias, não importa o tratamento ou se foram operados. Dentre os 50% que sobrevivem, 30% terão sequelas graves, como ficar sem falar. Somente 20% ficarão bem. A única maneira de evitar isso é encontrar o aneurisma antes que ele rompa. Ou seja, no check-up.
Que exame pode detectá-lo?
A angioressonância (visualiza as artérias e veias). Pelos custos, não é acessível a todos. Mas quem pode fazer check-up geral não tem razão para não incluir o cérebro. Alguém deixa o coração fora do check-up? Não. Por que vai deixar a cabeça?
Quem deve fazê-lo?
Todos devem fazer, mas principalmente quem possui familiares que tiveram aneurisma. Nesse caso, é obrigatório. A idade é a partir dos 30 ou 40 anos. E repetir de dez em dez anos. É um exame não invasivo, não precisa nem tomar contraste. Você deita e a máquina diz se você tem ou não.
Quantos aneurismas o sr. já operou? E quem tem mais, homem ou mulher?
Já realizei mais de 1,2 mil cirurgias desse tipo. As mulheres têm um pouco mais que os homens, não sabemos por quê. Acreditávamos que aneurisma fosse congênito. Mas não é. Ele surge no decorrer da vida. A pessoa nasce com um ponto fraco na artéria, e com a pressão do sangue pulsando naquele ponto vai dilatando.
Quem vive na chamada vida vegetativa tem noção do que está acontecendo?
Não. Há um procedimento muito interessante que é a ressonância magnética funcional. Nessa técnica, o exame mostra qual a área cerebral que está em funcionamento naquele momento. O médico diz a um doente em estado vegetativo: “Imagine que você está mexendo a mão.” E o aparelho mostra a área correspondente à mão brilhando no cérebro quando o paciente consegue entender. Ou seja, ele não se comunica para dizer que está vivo, mas está minimamente consciente. O médico pergunta se está sentindo dor e diz que, se a resposta for sim, a pessoa deve imaginar que está mexendo a mão; se for não, que está mexendo o pé. E as áreas cerebrais correspondentes começam a brilhar quando o paciente tem alguma consciência. Acho até chocante isso: você se comunica com um paciente que está encarcerado dentro de si próprio, através de um exame.
Mas essa medicina sofisticada é só para quem tem muito dinheiro.
Sem dúvida. Mas procuramos manter na Santa Casa um atendimento gratuito, com muito sacrifício e doações, como a do empresário Eike Batista. Ele doou um aparelho de ressonância magnética de US$ 2 milhões, para ser usado por quem não pode pagar. O governo do Estado do Rio de Janeiro vem criando polos de excelência, como o Hospital Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer, previsto para começar a atender em meados deste ano. Será restrito à população do SUS e equipado com o que há de mais moderno, inclusive ressonância magnética dentro do centro cirúrgico e neuronavegador em todas as salas. Terá um padrão técnico superior ao dos hospitais privados. É um projeto que deverá ser uma referência nacional para a especialidade.
O sr. já tratou do seu tio Oscar Niemeyer?
Não. O Oscar nunca teve doença nenhuma, tem uma saúde de ferro. Um tempo atrás, teve apenas um problema de intestino.