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Mesmo com pouco apoio, a equipe Samu Team Brazil,
de canoa havaiana  é bicampeã brasileira e treina para
fortalecer o esporte e disputar o mundial da modalidade

Em qualquer discussão sobre o que mais falta ao Brasil, inevitavelmente alguém saca a palavra educação. Em geral a conversa se encerra ali, com um consenso silencioso e resignado tomando conta dos interlocutores. Mas ainda tendemos a associar educação quase que exclusivamente ao que acontece nas escolas.

Há uma ferramenta de educação tão ou mais poderosa chamada esporte. Existem milhares de trabalhos acadêmicos e científicos comprovando a enorme evolução que qualquer indivíduo que se dedica a uma ou mais atividades esportivas experimenta, não apenas no tocante à saúde em geral e à chamada “inteligência física”, mas na capacidade de conviver e interagir em grupo, na estabilidade emocional, no progresso cognitivo e de maneira resumida, na saúde em seu mais legítimo “lato sensu”.

E, a cada quatro anos, volta a ladainha sobre o ainda incompreensivelmente baixo nível do apoio ao esporte amador no País. Conforme a Olimpíada vai apontando no horizonte, as condições em que nossos atletas treinam e competem destoam brutalmente do que se vê em economias bem menos robustas do que a brasileira. Mais um sinal claro do enorme espaço que nos separa de um estágio de desenvolvimento social razoável. É verdade que houve avanços em modalidades olímpicas como natação, vôlei e algumas outras, mas esportes diversos ainda são tratados como primos pobres num país que há algum tempo deixou de ser visto como tal no cenário internacional.

E, se é assim no cenário olímpico, a coisa piora e muito quando se fala em modalidades que não conquistaram o status de protagonistas da maior celebração esportiva do planeta.

A foto mostra os integrantes da equipe Samu Team Brazil, bicampeã brasileira de “outrigger canoe” ou canoa havaiana. O esporte existe há aproximadamente 3.000 anos, bem antes do surgimento de seu parente mais conhecido, o remo olímpico. No início muito mais um meio de transporte de pessoas e mantimentos entre praias e ilhas da Polinésia, aos poucos foi sendo descoberto como atividade física, lazer e esporte de competição, não só em arquipélagos como Tahiti e Havaí, mas em dezenas de outros lugares e países onde haja mar, rio, lago, raia ou represa e gente querendo evoluir física e mentalmente. Combinando força e atividade aeróbia, o esporte não só estimula significativamente o organismo, produzindo efeitos positivos visíveis e sensíveis em seus praticantes, mas ensina muito sobre relacionamento interpessoal, já que o entrosamento entre os seis atletas (há também canoas individuais, para dois, quatro, seis e até nove remadores), a capacidade de entender e lidar com seus pontos fracos e fortes, a combinação entre força física, estratégia, liderança legítima, senso de orientação são mais importantes do que a mera capacidade muscular dos remadores.

A equipe formada por Rafael Valentin, Luiz Guida, Leonardo Silva, Alan Reynol, Sergio Prieto, Dave Macknight e Vagner Riesco, não só venceu as duas mais recentes competições nacionais, mas entre uma e outra representou o Brasil no campeonato sul-americano na Ilha de
Páscoa, território chileno conhecido pelas condições difíceis e “oceânicas” que impõe aos que desafiam suas águas. Encarando mar grosso, o sumiço de uma peça da canoa, equipamentos menos apropriados, as equipes locais que conheciam muito melhor os recortes da costa e o mar da ilha, suas correntes e fundos, e times de vários países do continente, além de outra equipe brasileira, o grupo subiu ao pódio e voltou para casa trazendo a medalha de bronze da competição.

Apesar do importante apoio conseguido junto à Unimed e à Team Brazil, loja especializada e escola de treinamento que incentiva fortemente os esportes náuticos, os atletas tiveram que buscar com amigos, familiares e nas próprias poupanças o complemento financeiro para bancar passagens, hospedagem, alimentação, além de treinamentos, já que dois dos integrantes vivem no Rio e os demais em São Paulo. Nos planos, o campeonato mundial, que acontecerá em agosto no Canadá.

Nessa época em que dezenas de projetos olímpicos envolvendo mídia, promoções e anúncios são deflagrados, é bom relembrar o que é exatamente o esporte amador, que deu origem aos jogos olímpicos.
Aquele que é praticado por quem ama o que faz e faz porque ama.
 

A coluna de Paulo Lima, fundador da editora Trip, é publicada quinzenalmente