As brigas e as trocas de ofensas públicas entre dois famosos artistas escandalizaram, mas também maravilharam, o Brasil do final dos anos 40 – sobretudo porque esses artistas formavam um casal. De um lado da contenda estava o excelente compositor, e não tão bom cantor, Herivelto Martins. Do outro lado, a excelente cantora Dalva de Oliveira, que não compunha absolutamente nada. Através da imprensa, e de muitas músicas e letras, eles brigaram.

A música popular brasileira saiu ganhando porque a baixaria conjugal deixou uma altíssima herança de belíssimas canções à MPB. Se separações de marido e mulher, quando não são bem resolvidas, produzem seqüelas nos filhos, imagine-se uma separação na qual pai e mãe que vivem no estrelato se ofendem publicamente. Assim, quem quase pirou foi o filho mais velho do casal, que na época tinha 12 anos de idade – o hoje cantor Pery Ribeiro. E é ele também o autor de Minhas duas estrelas (Editora Globo, 384 págs., R$ 42), escrito em parceria com sua mulher, Ana Duarte.

O início do casamento, em 1939, foi afinadíssimo. Um ano depois, com Herivelto, Dalva passou a integrar o Trio de Ouro – além do casal, completava o grupo o cantor e compositor Nilo Chagas. A combinação musical era perfeita. Uma voz privilegiada e dois compositores de primeira linha. O trio era o veículo ideal para as composições de Herivelto, como Ave Maria no morro e Caminhemos, e para a voz inigualável de Dalva, mais tarde imitada por gerações de cantoras – de Ângela Maria a Gal Costa, passando por Elis Regina. Uma década de sucesso em casa e nos palcos, e o casamento começou a desafinar. Herivelto assumiu em 1949 o seu caso de amor paralelo com uma linda aeromoça chamada Lurdes.

Dalva então saiu do Trio de Ouro. As brigas começaram a rolar. Dalva gravou Tudo acabado, de J. Piedade e Oswaldo Martins. A música e o caso estouraram na boca do povo, que cantava: “Tudo acabado entre nós/já não há mais nada/tudo acabado entre nós/ontem de madrugada”.

Herivelto espumou. Com o jornalista David Nasser compôs Caminho certo (“transformava o lar na minha ausência/em qualquer coisa/abaixo da decência”). Não satisfeito, Nasser assinou na imprensa 22 colunas intituladas Por que me separei de Dalva de Oliveira, defendendo Herivelto. Nelas, Dalva foi ofendida como mulher e como mãe, chegou até a ser comparada a uma prostituta. Foi o que bastou para os compositores amigos de Dalva a municiarem. Ataulfo Alves compôs Errei sim e Fim de comédia. Nelson Cavaquinho, Palhaço.

E Marino Pinto, ex- parceiro de Herivelto, compôs Que será. Herivelto respondeu com Falso amigo. Muitas décadas se passaram, mas tudo isso continuou martelando a cabeça e a emoção de Pery Ribeiro (mora com a mulher e os filhos em Miami e segue a carreira de cantor). Eis o motivo do livro no qual ele fala abertamente do alcoolismo da mãe e da truculência do pai. Conta também que David Nasser explorou o caso na mídia somente para se tornar famoso. Tempos depois, Nasser se desculpou com Dalva, mas ela nunca o perdoou por ter sido ofendida em sua honra. Dalva morreu em 1972, Herivelto morreu em 1992. As músicas da briga sobrevivem.

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