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DISPUTA
O cardeal Tarcisio Bertone (à esq.) é o segundo homem na estrutura da
Igreja Católica, depois do papa Bento XVI. Abaixo, o arcebispo Carlo Maria
Viganò, que denunciou ao papa um esquema de corrupção no Vaticano

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Sorrisos e aplausos deverão marcar a imposição do barrete vermelho e a entrega do anel cardinalício aos 22 novos cardeais da Igreja Católica, numa cerimônia comandada por Bento XVI no Vaticano que terá início no sábado 18 e deve se estender até o domingo 19. Esse clima de festa do rito que marca o quarto consistório público realizado durante o atual pontificado não traduz, porém, a intranquilidade intramuros da Santa Sé. Desde o início do ano, documentos confidenciais do Vaticano vazaram para o grande público por meio da imprensa italiana e revelaram episódios que vão desde lavagem de dinheiro a um atentado contra o papa. Com isso, colocaram em choque alguns dos homens fortes do sumo pontífice. “Precisamos de calma, sangue-frio e razão. Assim como o governo do presidente americano Barack Obama teve o WikiLeaks, o Vaticano está tendo seus próprios vazamentos”, afirmou o porta-voz da instituição, Federico Lombardi.

A tempestade que vem se formando nos corredores da sede do catolicismo mostrou sua força em janeiro, quando uma carta entregue ao papa, escrita pelo então secretário-geral do Vaticano, o arcebispo italiano Carlo Maria Viganò, vazou para a imprensa. No documento, o sacerdote descreveu uma teia de corrupção e clientelismo enraizada no palácio apostólico. O alerta era fruto de suas observações desde que assumira o cargo, em 2009. Viganò, 70 anos, denunciou que, no Vaticano, “trabalham sempre as mesmas empresas, com custos dobrados em relação a outras, até porque não existe nenhuma transparência na gestão dos contratos de construção e engenharia”. Afirmou, também, que os banqueiros do Comitê de Finanças e Gestão se preocupam mais com os seus interesses “do que com os nossos” e em uma operação financeira, em 2009, eles perderam US$ 2,5 milhões. “Jamais pensaria em ficar diante de uma situação tão desastrosa, inimaginável e conhecida por toda a Cúria”, escreveu.

Especialistas em política eclesial interpretaram o vazamento das denúncias de Viganò – que é tio do monsenhor Carlo Maria Polvani, um religioso com influência no jornal “L’Osservatorio Romano”, na Rádio Vaticano e na assessoria de imprensa do papa – como uma tentativa de forçar a renúncia do cardeal italiano Tarcisio Bertone, 77 anos, espécie de primeiro-ministro que chefia a Secretaria de Estado. Este, segundo os analistas, não teria feito oposição às operações nada transparentes ou arriscadas. “Existe a possibilidade de que Bertone, que conta apenas com o apoio do papa, abandone seu cargo neste ano”, afirmou o vaticanista Sandro Magister. Por outro lado, o cardeal português José Saraiva Martins, 80 anos, prefeito emérito da Congregação para as Causas dos Santos, rechaçou essa possibilidade. “Não há nenhuma luta de poder aqui”, disse ele à ISTOÉ.

Não é o que parece. Viganò foi transferido para Washington, nos Estados Unidos, em outubro do ano passado, onde se tornou núncio, espécie de embaixador, seis meses depois de entregar a carta com as denúncias. A nomeação foi recebida por ele, segundo suas próprias palavras, como um castigo. Parece que o seu rigor o fez inimigo de muita gente. Na carta que enviara ao papa, Viganò dava nome aos seus desafetos, um deles o consultor leigo Marco Simeon, muito próximo do cardeal Bertone.

O WikiLeaks do Vaticano não para por aí. Um outro memorando interno revelado por uma rede de tevê italiana lança dúvidas sobre a nova lei antilavagem de dinheiro aprovada por Bento XVI em janeiro. Segundo o documento, há uma enorme brecha na legislação, uma vez que os delitos cometidos antes de abril de 2011 estariam isentos de apuração. Isso colocaria sob suspeita as transações anteriores a essa data. Nenhum outro vazamento, porém, tem o roteiro mais intrigante do que o documento “muito confidencial” revelado na sexta-feira 10. Escrito em alemão em dezembro passado e entregue ao secretário particular de Bento XVI pelo cardeal colombiano aposentado Darío Castrillón Hoyos, afirmava a existência de um complô para assassinar Bento XVI nos próximos 12 meses. Mas essa não foi a única informação contida no texto. Fora relatada também uma suposta relação conflituosa entre o número 2 do Vaticano, o cardeal Bertone, e Bento XVI, que estaria querendo substitui-lo pelo atual cardeal de Milão, Angelo Scola, muito ligado ao papa. Segundo o vaticanista Magister, Bertone, no ano passado, se posicionara contrário à nomeação de Scola ao posto na capital italiana. “Todo poder gera em torno de si pontos de atração e retração. Na Igreja Católica, isso não é diferente”, diz o teólogo jesuíta João Batista Libanio. Deixando de lado a eloquência dramática de todas as histórias que nascem na Itália, duas coisas a se considerar: é fato que a torneira de informações confidenciais do Vaticano tem vazado em gotas cada vez mais intensas e que o Judas responsável por abri-la talvez nunca tenha a sua identidade revelada.

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