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É quase impossível encontrar unanimidade em qualquer discussão que envolva a cidade de São Paulo. Mas uma coisa quase ninguém contesta: a ocupação da cidade tem carecido dramaticamente de alguma lógica e inteligência. Assim, ao longo do tempo, vemos rios ser enterrados vivos, a terra ser concretada e impermeabilizada, a morte de bairros com ruas e infraestrutura estreitas recebendo torres “inteligentes” e não conseguindo escoar nem os carros, nem o cocô dos milhares de ocupantes que surgem de um dia para o outro, uma periferia absolutamente abandonada à própria sorte (sorte?) e aberrações arquitetônicas subindo indiscriminadamente por todo lado. Outra quase unanimidade quando se trata da sociedade brasileira é uma dose bem acima do normal de passividade. É comum ver mobilizações sérias e articuladas de comunidades em outros países, diante da mais acanhada atitude equivocada ou duvidosa, seja governamental, seja de setores isolados da própria sociedade. Mobilizações enormes diante da mudança de direção de uma rua ou de um conserto mal executado numa escadaria pública são fatos corriqueiros em alguns países nos quais as pessoas não se sentem como meras vítimas indefesas de uma espécie de destino irreversível. Ao contrário, se movem como agentes de seus próprios futuros. Na contramão dessa passividade, um movimento abriu a discussão sobre a sobrevivência de um dos bairros mais interessantes de São Paulo. Moradores, antigos e novos, comerciantes, empresários e gente ligada à área de arquitetura e urbanismo estão refletindo sobre as maneiras de se evitar que o que ainda resta de humano e aprazível na Vila Madalena seja varrido do mapa pela ânsia de fazer (e faturar com) mais um edifício, mais um bar, mais um condomínio de luxo, sem que haja algum tipo de governança inteligente ordenando o que faça ou não sentido para que se consiga algum equilíbrio entre todos os interesses envolvidos.

E não são poucos.
A iniciativa começou abrindo um espaço virtual para discussões e também realizando reuniões entre dezenas de interessados. Uma das ideias defendidas pelo grupo é a propositura do tombamento do bairro, como já aconteceu com vizinhanças como o Pacaembu, apenas para citar um exemplo. Pode já ser tarde demais, já há bares, restaurantes, lojas e prédios suficientes para transformar em caos a vida de quem vive ou passa por ali. Mas, certamente, vale tentar os remédios, antes que o doente sucumba.

O jornalista Otávio Rodrigues, que mora e trabalha na região, tem ideias claras sobre o tema.
“A Vila Madalena é um trecho da cidade original e único, com a cara de São Paulo e conexões em todo o mundo.

Bairro de artistas, poetas, escritores e boêmios, a Vila acabou inspirando um tipo diferente de comércio. Nas ruas, cujos nomes parecem ter saído de um conto romântico – Girassol, Harmonia, Fidalga, Simpatia… –, surgem restaurantes sofisticados junto a botecos, lojas de grife ao lado de redutos de artesanato, escritórios de arquitetura à sombra de centros de ioga…
mas boa parte desses adjetivos hoje compõe também as propagandas de novos empreendimentos imobiliários. Esse bairro cyber-bucólico, muito moderno à moda antiga, que conseguiu preservar parte de suas casinhas simpáticas e algumas portas de comércio dos tempos da brilhantina, pode perder sua tão rara identidade.

Condomínios residenciais e comerciais trarão mais gente, mais carros, mais trânsito, menos vagas, maior demanda por estacionamentos, numa sucessão de eventos que, como bem disseram, pode fazer Madalena virar Olímpia – numa comparação com outra Vila da capital, já consumida pelo concreto e pela fumaça.

A luta pelo tombamento, passo inicial de um grupo grande de moradores e comerciantes da Vila Madalena, pode até não ser o caminho mais eficaz. Alguns urbanistas têm se manifestado nesse sentido. Outros apoiam. Mas é preciso organizar uma ampla consulta à comunidade e, a partir daí, decidir pela vontade da maioria. A ideia é fazer a coisa dar certo, buscar soluções para manter o caráter aberto e progressista da Vila Madalena sem ameaçar sua natureza cultural e sua vocação turística. Assinar o abaixo-assinado, pedindo o tombamento do bairro, é o primeiro passo.”

Como diz Rodrigues, a ideia do tombamento pode não ser uma unanimidade, mas a mobilização da população para defender democraticamente aquilo em que acredita, esta sim, felizmente, encontra eco na esmagadora maioria.

A coluna de Paulo Lima, fundador da editora Trip, é publicada quinzenalmente