Torcedor ardoroso do Flamengo e locutor oficial da Tupi, a grande rádio da década de 30, o compositor Ary Barroso foi proibido certa vez de entrar no Estádio de São Januário, do rival Vasco da Gama, para transmitir uma partida. O compositor de Aquarela do Brasil não se intimidou. Microfone em punho, subiu no telhado de uma casa vizinha e, de lá, narrou o jogo. A música Um a zero, um dos choros mais bonitos do genial Pixinguinha, foi composto em homenagem ao primeiro título internacional da Seleção Brasileira, o Campeonato Sul-Americano de 1919, conquistado com uma vitória sobre o Uruguai. O time do Bangu, fundado por operários de uma fábrica de tecidos do subúrbio do Rio de Janeiro, foi o primeiro clube de futebol do País a aceitar negros, em 1911. A mãe de Leônidas da Silva, mitológico atacante do Flamengo e do São Paulo nos anos 30 e 40, nunca escondeu o sonho de vê-lo formado em direito. O craque jamais deu a ela o diploma de presente, mas compensava sua frustração atendendo a outro de seus pedidos: vestir-se com ternos elegantes e bem cortados. Aliadas a belas imagens, histórias saborosas como essas dão o tom do livro Brasil, um século de futebol – arte e magia (Editora Aprazível, 204 págs., R$ 130), de João Máximo e Leonel Kaz.

As 200 fotos selecionadas e os acontecimentos resgatados pelos autores mostram como sociologia, cultura, política, mistura étnica e até religião se relacionaram com o esporte no País nos últimos 100 anos. Um episódio revelador dessa combinação é o concurso promovido em 1930 pela companhia de fumos Veado para escolher o jogador mais popular do País. A cédula de votação era um maço vazio do cigarro, onde o eleitor escrevia o nome do escolhido. O vencedor foi Russinho, do Vasco. De prêmio, ganhou uma “baratinha da Chrysler” e alguns versos de Noel Rosa, no samba Quem dá mais: “O Vasco paga o lote na batata/E em vez de barata/Oferece ao Russinho uma mulata.”

O vaidoso Leônidas também é protagonista de outra história de impressionar. Em 1935, ele foi autuado por ter comprado um certificado falso de carreira militar para garantir um emprego público. Como punição, cumpriu, já famoso, oito meses de prisão na Vila Militar, no Rio de Janeiro. Heleno de Freitas, do Botafogo, outro craque desses tempos românticos, era vaidoso como Leônidas, fazia sucesso entre as mulheres, mas tinha um temperamento explosivo. Para irritá-lo, os rivais o apelidaram de Gilda, a loira fatal interpretada no cinema por Rita Hayworth. Maior estádio do País até a construção do Maracanã, em 1950, o mesmo São Januário que teve as portas fechadas para Ary Barroso foi palco de cerimônias cívicas marcantes na primeira metade do século passado. Era lá que Getúlio Vargas organizava as festas dedicadas “aos trabalhadores e suas famílias”, todas elas envolvidas num ambiente de nacionalismo extremo típico do Estado Novo. O esporte, em Brasil, um século de futebol, é na verdade o suporte para o resgate de um País que, decididamente, já foi muito mais delicado.