Em 2004, a Polícia Federal recebeu da Promotoria de Nova York uma relação com os nomes de pessoas físicas e jurídicas do Brasil suspeitas de usar a conta Beacon Hill. No Brasil, essa documentação deu origem à chamada Operação Farol da Colina, que resultou na prisão de mais de 60 doleiros e na apreensão de documentos em centenas de endereços. Toda a papelada reunida listava mais de 30 mil nomes de pessoas e empresas do Brasil que poderiam estar envolvidas em crimes como sonegação fiscal e evasão de divisas. A relação foi encaminhada à Receita Federal. Agora, dois anos depois de uma investigação, a Receita conclui um relatório com 4.010 nomes que, segundo ela, cometeram o crime de remessa ilegal, evasão de divisas e sonegação fiscal.

A lista, à qual ISTOÉ teve acesso exclusivo, conta com nomes de calibre dos meios empresarial, artístico e político. É um time que será alvo de uma operação da Polícia Federal, que deve abrir inquérito criminal para cada caso. Segundo a Receita, essas pessoas não registraram nem no Banco Central, nem na própria Receita, as movimentações financeiras relacionadas em seus nomes.

O conjunto das operações irregulares representa um rombo de mais de US$ 3 bilhões no sistema financeiro nacional, valor equivalente ao que o governo federal gastou no ano passado para alimentar 8,7 milhões de famílias. A PF já tem um dossiê para cada um dos personagens listados. Há casos em que os protagonistas acabaram fisgados por causa de valores até pequenos, se confrontados com o próprio patrimônio. Um deles é o do empresário Eugênio Emilio Staub, dono da Gradiente, envolvido com uma operação irregular de US$ 150 mil na conta Le Mans – filhote da Beacon Hill –, no ano 2000, conforme apurado pela Receita. Staub informou não ter realizado nenhuma remessa ilegal. Ele sustenta que desconhecia a existência do tal depósito até ser procurado por ISTOÉ, na tarde da quinta-feira 4. Staub acredita que alguém utilizou seu nome e CPF sem autorização.

Na PF do Rio já está a documentação referente à apresentadora Maria da Graça Xuxa Meneghel. Ela terá que explicar o recebimento de US$ 103 mil via conta Midler, da família Beacon Hill, em nome da Xuxa Promoções e Produções Artísticas. Outros US$ 195 mil da empresa de Xuxa transitaram pela Midler, em forma de ordem de pagamento, entre 2000 e 2002. Procurada, Xuxa pediu a seu advogado e braço direito, Luiz Cláudio Moreira, para dar as explicações. Ele admite que o dinheiro pode ter seguido um caminho torto. “Se no passado algum fornecedor nosso indicou pagamento para a conta Beacon Hill, não sei dizer”, diz Moreira. Os policiais também já estão com a movimentação financeira de Ana Maria Braga, do programa Mais você. Ela aparece como beneficiária de US$ 200 mil que transitaram pela conta Rigler, outra filhote da Beacon Hill. A apresentadora colocou a contabilidade à disposição de ISTOÉ. “É muito doido isso. Nunca ouvi falar de Beacon Hill”, diz. Sozinha, a apresentadora paga mais de R$ 200 mil de imposto todo mês. “Brigo há anos pelo absurdo de imposto que eu pago. Sofri várias investidas da Receita e nunca fiz este tipo de operação.” Outra celebridade que vai responder a inquérito é o jogador Romário. De mudança para Miami, está agora mais perto da explicação para os US$ 274 mil que transitaram em seu nome nos EUA, na conta Eleven (11), coincidentemente o número da camisa que sempre ostentou. ISTOÉ fez várias investidas, mas não conseguiu encontrar o jogador no Exterior.

Políticos com mandato também não escaparam da operação. O deputado Francisco Garcia (PP-AM) é listado como autor de movimentações no valor de US$ 600 mil, em 2002. Ele conta ter sido chamado por dois auditores no ano passado. Eles queriam, em forma de multa, punir o deputado. “Fizeram acerto dentro da coisa e queriam que eu pagasse R$ 132 mil”, diz Garcia. “Não sou nem burro de ter conta no Exterior, o dinheiro é melhor aqui”, raciocina Garcia. O deputado Arolde de Oliveira (PFL-RJ) garante ter declarado os US$ 216 mil que transitaram em seu nome pela conta Midler, entre 2000 e 2002. “Foi um imóvel que comprei em Miami”, diz. Outro deputado que terá de dar explicações é Vittorio Medioli (PV-MG), beneficiário de US$ 595 mil em contas que transitaram na Beacon Hill. “Estas informações estão declaradas. Estou esperando ser chamado para me defender”, afirma.

Neste festival de depósitos irregulares há até o nome do ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore. A seu favor estão listadas remessas de US$ 33 mil em 2001 e 2002, pela conta Rigler. “Respondo ao inquérito com a maior tranqüilidade”, diz Pastore. “Isso deve estar ligado a dinheiro que recebo por consultorias no Exterior.” O embaixador do Brasil em Manila, nas Filipinas, Carlos Eduardo Sette Câmara da Fonseca Costa, beneficiário de US$ 36 mil em seu nome, na conta Midler, em 2002, informou desconhecer a operação. “Não tenho a menor idéia dessa remessa”, disse. Outra que está na mira da PF e da Receita é a cônsul de Malta no Brasil, Germana Helena Ribeiro Coutinho Guinle, que herdou o sobrenome em um casamento com um primo do playboy Jorge Guinle. No nome dela aparecem duas transações, no valor de US$ 525 mil, na conta Midler, em 2001. Dona de empresa na área de comércio exterior, Germana informou que não tem como responder sobre os depósitos, por “desconhecê-los”.

A investigação atribui US$ 150 mil ao atacadista Girsz Aronson, dinheiro que circulou na conta Rigler, em 2002. Ele não respondeu a telefonemas disparados por ISTOÉ. Informado na quinta-feira 4 sobre movimentações de R$ 301 mil em seu nome, na conta Eleven, o empresário Leonardo Senna da Silva – irmão do tricampeão mundial de Fórmula 1, Ayrton Senna – também não quis dar explicações. Os investigadores da PF e da Receita, em um trabalho árduo, identificaram duas movimentações na conta Larrett em nome do ex-presidente da Transbrasil Antonio Celso Cipriani. A empresa quebrou, mas ele terá de apresentar à PF uma operação em que é beneficiário de US$ 180 mil e responsável por ordem de pagamento de US$ 230 mil. “Não me lembro. Tenho que tentar achar os depósitos”, disse Cipriani. O mundo do samba também caiu na rede. Ailton Guimarães, presidente da Liga das Escolas de Samba do Rio de Janeiro, enviou para o Exterior US$ 495 mil através da Midler. Capitão Guimarães, como é conhecido, não foi encontrado para explicar sua movimentação financeira.

Entre os relacionados há também inúmeras pessoas jurídicas. Uma das maiores movimentações foi feita pela Giacampos Diamond, em Lagoa Grande, Minas Gerais. Aparecem no nome da empresa movimentações de US$ 7,2 milhões na conta Midler, até 2002. Há ainda uma série de grandes grupos econômicos na lista secreta da Receita e da PF, que agora terão de provar que não lavaram dinheiro. Receita e PF estão levantando os investimentos de um grupo ligado à indústria de carnes que teria movimentado US$ 10 milhões pela conta Chello. Uma indústria de pneus instalada na Bahia terá de explicar nos próximos dias suposto envolvimento numa operação de lavagem de dinheiro, no valor de US$ 2,8 milhões. A lista é imensa.