A sucessão presidencial ganhou na semana passada um componente nunca visto em outras campanhas. Além de inédito, dramático. Em protesto contra o que considera ser perseguição em relação à sua candidatura, o pré-candidato do PMDB, Anthony Garotinho, entrou em greve de fome no final da tarde do domingo 30. Contra os apelos da mulher, a governadora do Rio, Rosinha Matheus, e da filha Clarissa, ele instalou-se em duas pequenas salas do diretório municipal do partido no centro do Rio de Janeiro. À sua maneira, fez do local uma trincheira de luta política. Na quarta-feira 3, obteve ali uma boa notícia para sua candidatura. O Superior Tribunal de Justiça decidiu pela validade da convenção extraordinária que o PMDB realizou em dezembro de 2004. Foi nessa convenção que os peemedebistas decidiram ter candidato próprio à Presidência da República. Por extensão, as prévias feitas pelo partido em março, vencidas por Garotinho, também passaram a ser válidas. Ao mesmo tempo, porém, a Comissão Executiva Nacional do PMDB decidiu confirmar a convocação de uma convenção partidária para o sábado 13. A proximidade do encontro, no qual Garotinho terá sua pré-candidatura em jogo, tornou-se o mais poderoso argumento dos amigos do ex-governador para ele suspender a greve de fome e retomar sua trajetória na campanha.

“Estamos aqui não só para manifestar nosso apoio a Garotinho, como também para fazer um apelo para que ele termine com a greve de fome”, disse o deputado federal Pedro Ribeiro, do PMDB do Ceará, na quinta-feira 4. “Ele tem de estar forte para ganhar a convenção do dia 13.”

Na mesma quinta, duas das reivindicações de Garotinho com sua greve solitária começaram a ter encaminhamento. Um grupo de parlamentares viajou a Washington, nos Estados Unidos, para entregar à Organização dos Estados Americanos (OEA) um pedido para que a eleição presidencial brasileira seja acompanhada por observadores internacionais. Eles também pretendiam encaminhar a mesma solicitação às fundações Jimmy Carter e Bill Clinton. Em outro desdobramento, o jornal O Globo, que publicara uma série de denúncias sobre irregularidades nas doações financeiras feitas à campanha de Garotinho, dedicou uma página inteira a uma extensa carta do ex-governador. “A ABI vê com apreensão o episódio porque envolve a saúde de uma personalidade da vida pública do País que é levada a um processo doloroso de protesto em razão de noticiários de veículos de comunicação que ele considera ofensivos à sua honra e também prejudiciais às suas aspirações políticas”, registrou o presidente da Associação Brasileira de Imprensa, Maurício Azedo.

Nos quatro primeiros dias sem comer, ingerindo apenas água, Garotinho perdeu
2,6 quilos. O boletim do médico Abdu Neme apontou quadro clínico estável, com lucidez, mas, também, com desidratação, cansaço aos médios esforços, prostração, alteração dos níveis de pressão arterial e dos batimentos cardíacos. A principal preocupação do médico era com a opção de Garotinho por um jejum radical, sem
a ingestão de soro fisiológico para evitar desidratação. Com um olho no paciente
e outro nos códigos internacionais de ética médica, Neme ganhou o apoio da governadora Rosinha para intervir e encerrar o jejum aos primeiros sinais de
risco de vida por hipoglicemia ou alterações na consciência. “Se ele não topar o soro, vamos fazer a intervenção”, dizia o médico. Do lado de fora do prédio, no centro do Rio, correligionários e adversários de Garotinho travaram ao longo da semana uma acirrada batalha política. Uma das pistas da av. Almirante Barroso, entre as principais da região central, teve de ser interditada em razão do grande número de pessoas reunidas ali.

O coordenador do programa econômico de Garotinho, o ex-presidente do BNDES Carlos Lessa, criticou a opção do ex-governador pela greve. “Não vou comentar uma decisão de foro íntimo, que não foi aprovada nem pela governadora”, disse. “A filha dele (Clarissa) está pálida, aniquilada. As duas sabem que ele é obstinado o suficiente para morrer, mas uma coisa é certa: a desproporção entre os espaços para denúncias contra a candidatura e para as respostas é absoluta.” O presidente do PSDB, senador Tasso Jereissati, também manifestou sua opinião. “A culpa é do presidente Lula, que está interferindo nos assuntos do PMDB com ofertas de cargos e vantagens”, definiu.

Dentro do PMDB, a greve de fome dividiu opiniões. A Comissão Executiva, no primeiro momento, evitou qualquer gesto de solidariedade ao pré-candidato do partido. A governadora Rosinha fez um discurso de dez minutos, durante a reunião da comissão, na quarta-feira 3, em Brasília. Ela classificou de “golpe” a decisão de realizar a convenção no dia 13. No dia seguinte, porém, a cúpula do PMDB resolveu divulgar uma nota de solidariedade a Garotinho. Ao mesmo tempo, o partido avançou em suas conversas com o governo. O ministro da Articulação Política, Tarso Genro, levou ao presidente do partido, Michel Temer, uma proposta para o partido indicar o candidato a vice na chapa do presidente Lula e, ainda, controlar “um setor inteiro” da nova administração, caso aconteça a reeleição. Com dubiedade, Temer não disse nem sim nem não, mas em Brasília todos os observadores entenderam que a cúpula do PMDB ficou mais perto de aderir ao governo. Prostrado no pequeno sofá que lhe serve de cama durante a greve de fome, Garotinho prometeu a parlamentares que o visitaram considerar “o rumo dos acontecimentos” para decidir sobre o encerramento do jejum. Em benefício de sua própria candidatura – e de sua saúde –, o melhor é que ele saia do sofá e volte a se alimentar o quanto antes.