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DESCONTROLE
Torcedores entram em choque em arquibancada incendiada (topo).
Na quinta-feira 2, os protestos se espalharam por várias cidades
epelos arredores da Praça Tahrir, berço da Primavera Árabe

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Faz apenas um ano que incansáveis protestos na Praça Tahrir, no Egito, derrubaram a ditadura de três décadas de Hosni Mubarak e reforçaram os sopros do movimento que se espalharia por outros países africanos, no que ficou conhecido como a Primavera Árabe. Nesse período, o ex-ditador foi a julgamento e eleições parlamentares foram realizadas no país. Mas o que parecia ser o fim da onda de violência que estava varrendo o Egito não se confirmou. O sonho da paz foi substituído por uma sensação de ressaca. Isso ficou claro na quarta-feira 1o, quando o enfrentamento entre as torcidas dos times de futebol Al Masry e Al Ahly, no estádio da cidade de Port Said, resultou na morte de 74 pessoas, numa das maiores tragédias da história do esporte. Ao que parece, a matança não se deve à rivalidade esportiva – o Al Masry é uma equipe modesta que não está entre os principais adversários do Al Ahly –, e sim às tensões políticas cada vez mais exacerbadas. O que explicaria, por exemplo, o fato de a política ter permitido que centenas, talvez milhares, de torcedores entrassem no estádio com pedaços de pau, facas e até armas de fogo? O que explicaria o apagar de luzes logo após a invasão do campo? Enquanto alguns indivíduos morreram esmagados contra o alambrado e sufocados pela multidão, outros se enfrentaram diretamente com pedras, cadeiras e objetos cortantes.“A razão para essa tragédia é a negligência e a ausência deliberadas dos militares e da polícia”, declarou Essam el-Erian, membro do partido líder do Parlamento e opositor do antigo regime de Mubarak.

A politização das torcidas de futebol é um fenômeno crescente no Egito. Segundo o relato de um torcedor à rede de tevê americana CNN, manifestações contra Mubarak passaram a mobilizar cada vez mais jovens apaixonados por futebol, que viram na multidão que ia aos estádios uma oportunidade de gritar pela queda do ditador. Os torcedores do Al Ahly, por exemplo, tinham até um grito de guerra: “Regime, tenha muito medo de nós. Os torcedores do Al Ahly vão incendiar tudo. Deus nos fará vitoriosos. Vamos, hooligans!” A coragem exibida pelos jovens nos estádios foi reproduzida nas ruas – até o ponto em que Mubarak não foi mais capaz de resistir. Depois de sua queda, porém, a violência não desapareceu. Brigas em estádios de futebol se tornaram cada vez mais comuns. Só no ano passado, os egípcios testemunharam pelo menos quatro confrontos violentos entre torcedores. Na semana passada, surgiu a notícia de que as brigas teriam sido desencadeadas por ativistas políticos infiltrados entre os torcedores.

O desgaste da Junta Militar que assumiu o poder após a queda de Mubarak é evidente e já desperta a fúria da população. Em novembro do ano passado, milhares de manifestantes voltaram ao centro do Cairo para convocar uma “segunda revolução”, na tentativa de acelerar o início das eleições. O resultado: mais de 30 mortos e centenas de feridos. “Nós vamos superar esse estágio e o Egito se estabilizará”, disse na semana passada o chefe do conselho militar, Mohamed Hussein Tantawi. “Temos um roteiro programado para transferir o poder aos civis eleitos. Quem estiver conspirando pela instabilidade no Egito não conseguirá seu intento.” Diante das cenas do massacre de Port Said, o caminho para uma transição democrática e pacífica que restabeleça a ordem nas ruas do país parece cada vez mais longo. Numa espécie de mea culpa, o primeiro-ministro, Kamal el-Ganzouri, convocou uma sessão emergencial do Parlamento, demitiu a diretoria da Federação Egípcia de Futebol e anunciou uma investigação do caso. Mas, nos protestos que se seguiram ao jogo, mais quatro manifestantes foram mortos. Prometida para o primeiro semestre de 2012, a realização de eleições presidenciais está novamente desacreditada e pouco (ou quase nada) leva a crer que o Exército se empenhará nesse processo.

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