A atriz que concorre ao Oscar interpretando Margaret Thatcher diz que Dilma é corajosa e que apoia cada mulher que "consegue bater o pé"

Confira trechos de alguns dos filmes pelos quais a atriz já foi premiada:

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MATURIDADE
Meryl vê muitas vantagens em envelhecer:

“A vivência me permite encarnar
todas as idades pelas quais passei”

Meryl Streep, a grande dama do cinema mundial, caminha para conquistar o terceiro Oscar da carreira. “Se quero mais um? Claro! Os que tenho estão cobertos de pó na prateleira da estante. Afinal já faz 30 anos que os ganhei’’, disse a bem-humorada atriz, referindo-se às estatuetas recebidas pela performance em “A Escolha de Sofia’’ (1982) e em “Kramer vs. Kramer’’ (1979), quando foi considerada a melhor coadjuvante. No próximo dia 26, Meryl vai estar no Kodak Theater, em Los Angeles, defendendo o seu melhor papel em décadas. A artista com mais indicações na história do prêmio – 17 no total – concorre agora pelo retrato humano da ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher em “A Dama de Ferro’’. No filme que estreia no dia 17 no Brasil, a primeira e única mulher a ocupar o posto de premiê na história do Reino Unido (de 1979 a 1990) é uma senhora na casa dos 80 anos acometida pela demência senil. Confusa e vítima de alucinações, ela revisita os fatos mais marcantes de sua vida. Meryl diz por que aceitou o papel: “Não me interessaria por um filme político. É uma história sobre a dureza de envelhecer, mesmo quando no nosso íntimo ainda sentimos como se tivéssemos 20 anos.’’ Na entrevista a seguir, concedida no Soho Hotel, em Londres, a atriz elogia a presidente Dilma Rousseff e diz que se preocupa com a boa forma. “Vivo em constante briga com a balança”, disse ela, muito elegante, bem mais magra e aparentando bem menos que seus 62 anos.

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"Sou recordista em discursos de agradecimento (na cerimônia
do Oscar) nunca usados. Tenho 14 deles guardados na gaveta"

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"Thatcher era fria por necessidade. Se ela chorasse, isso seria
tomado como um sinal de fraqueza e de sua inaptidão para o cargo"

ISTOÉ

O Oscar ainda é importante em sua carreira, mesmo sabendo-se que já conquistou duas estatuetas?
 

Meryl Streep

Sim, é importante. Quando sou indicada a um Oscar, significa que fui destacada pela categoria de atores da Academia. Ninguém mais pode votar, a não ser os atores. É sempre um grande feito ter a aprovação dos seus colegas. São as pessoas que sabem como é duro atuar e são realmente as mais qualificadas para avaliar o que fez ou deixou de fazer.
 

ISTOÉ

Como se sente ao ser a recordista de indicações?
 

Meryl Streep

Isso me faz lembrar que também sou a recordista em discursos de agradecimento nunca usados (risos). Tenho 14 deles dobradinhos na gaveta. É hilário ver aqueles papéis ficando cada vez mais amarelados. Poderia fazer um livro com esses textos desperdiçados. Um bom título seria: “Os discursos que nunca foram declamados’’ (risos). Mas já estou preparando o próximo. Para quem já escreveu 14, o que é fazer mais um?
 

ISTOÉ

Filmar “A Dama de Ferro’’ fez a sra. pensar nas poucas mulheres que estão no poder atualmente? Como Dilma Rousseff, a presidenta do Brasil?
 

Meryl Streep

Dilma é corajosa! Eu a felicito e as outras mulheres no poder por imaginar que ainda existe certo desconforto quando uma mulher conquista uma posição de liderança no cenário mundial. Cada mulher que consegue bater o pé, se fazer ouvir e se tornar uma líder abre um pouco mais a porta para as que virão depois.
 

ISTOÉ

Houve muito avanço nesses últimos 30 anos, desde que Margaret Thatcher quebrou essa barreira ao chegar ao poder?
 

Meryl Streep

Não muito. É preciso estabelecer mais paridade no governo para que não haja tanta diferença entre homens e mulheres. O cargo de presidente ajuda muito como figura simbólica, mas só teremos um mundo mais equilibrado quando mais mulheres estiverem trabalhando no governo de uma forma geral. Elas precisam estar lá para tentar fazer as mudanças na educação, na saúde, no meio ambiente e em outras áreas às quais a mulher tradicionalmente dá mais importância. 

ISTOÉ

Para chegar ao cargo de premiê, Thatcher precisou sempre estar mais preparada que todos ao seu redor. Por ser considerada a maior atriz do cinema atual, sente a mesma pressão?
 

Meryl Streep

Não é bem assim. Qualquer um que ama o que faz tenta dar o melhor de si. Às vezes consigo me sair bem. Outras, nem tanto. A atriz formidável é uma invenção dos outros. Não é minha. Também tenho as minhas inseguranças. Meu marido (o escultor Don Gummer, com quem Meryl está casada há 33 anos) as conhece bem. A cada novo papel, ele sempre me ouve dizendo que não vou conseguir. Não sei como ele me aguenta (risos).
 

ISTOÉ

O filme não aborda apenas a Thatcher que conduziu a Inglaterra com mão de ferro. Mostra também a sua faceta de esposa e mãe. Isso ajudou a sra. a se transportar para o papel?
 

Meryl Streep

Claro que eu sei bem o que é um casamento de longa duração, o que isso significa e o que realmente importa na vida a dois. Para manter a união, você precisa se agarrar a ela, mesmo nos momentos mais turbulentos. Não é fácil, mas é reconfortante mantê-la após tantos anos. A maior contribuição que dei ao papel, a partir da minha experiência de vida, foi outra. Estou velha! E ter passado dos 60 anos me fez entender e aceitar tudo com mais facilidade.
 

ISTOÉ

A sra. se sente velha?
 

Meryl Streep

Nós todos estamos caminhando para essa direção. Não há como escapar. Desde que perdi os meus pais, penso muito mais na mortalidade e no desapego pela vida. A verdade é que eu também já sinto na pele o que é ter a capacidade diminuída, seja no corpo, seja na mente. Às vezes, estou na minha casa e subo ao andar de cima. Mas, quando chego lá, não me lembro do que fui buscar. Aí eu volto ao andar de baixo, na esperança de que o pensamento volte. Mas há vantagens em envelhecer. 

ISTOÉ

Quais? 

Meryl Streep

Conforme envelheço, baixo a guarda e penso menos em tudo o que me preocupava quando eu era jovem. É um alívio. A vivência me permite encarnar com autoridade todas as idades pelas quais já passei. E isso é muito importante na profissão de atriz.
 

ISTOÉ

Não se sentiu na obrigação de conhecer Thatcher pessoalmente?
 

Meryl Streep

Não pude falar com Tatcher pelo fato de ela viver reclusa e sofrer de demência. E, na verdade, nem tentei. Isso não seria necessário, já que o filme é muito subjetivo, supostamente visto pelos seus olhos. Geralmente eu interpreto uma personagem fictícia ou verídica. E só no caso de uma personalidade real eu me sinto na obrigação de fazer justiça à sua imagem. Aqui, curiosamente, fiz as duas coisas. Tive de imitar a Thatcher do passado e inventar a do presente. Na composição dessa segunda, eu me senti completamente livre.
 

ISTOÉ

Foi difícil encarnar uma mulher tão fria?
 

Meryl Streep

Há um retrato muito rígido a respeito de quem ela foi, principalmente quando estava no governo. Thatcher costumava manifestar as suas opiniões de forma grandiosa, mas sem demonstrar nenhuma emoção. E quem conviveu com ela diz que a ex-premiê não tinha o menor senso de humor. Pelo que eu pesquisei, Denis Thatcher (o marido, vivido nas telas pelo ator Jim Broadbent) tinha humor de sobra. E talvez tenha sido esse o trunfo que ele usou para conquistá-la. Mas acho que é preciso entender o que Thatcher conquistou. Winston Churchill (primeiro-ministro britânico nos anos 1940 e 1950) podia chorar à vontade em público. Nele essa característica era charmosa, demonstrando a sua humanidade. Se Thatcher chorasse, isso seria tomado como um sinal de fraqueza e de sua inaptidão para o cargo. Ela era fria talvez por necessidade.
 

ISTOÉ

Até que ponto a sra. precisa gostar da personagem para interpretá-la?
 

Meryl Streep

Não costumo julgar as minhas personagens, o que elimina a possibilidade de eu gostar ou não de alguém que interpreto. Mas confesso que me senti atraída por essa qualidade subversiva do filme, de tratar Thatcher como um ser humano. As pessoas parecem se esquecer disso, por ela ter sido uma figura tão controversa na política.
 

ISTOÉ

Como se sentia com relação a Thatcher, quando ela estava no poder?
 

Meryl Streep

Politicamente, eu era muito desconfiada. Sempre fui assim. Quando era mais nova, eu ainda tinha uma tendência a simplificar as coisas. Eu só me perguntava: esse político é um cara bom ou ruim? E o problema é que, naquela época, Thatcher estava alinhada com a política de Ronald Reagan, de quem eu discordava muito. Então já dá para imaginar que eu não me simpatizava muito com ela. Thatcher ainda tinha um penteado terrível e usava roupas feias (risos).
 

ISTOÉ

Nos anos 1970, durante a ascensão de Thatcher, o que a sra. estava fazendo?
 

Meryl Streep

Em 1977, eu me formava em drama na Universidade de Yale. E em 1978, eu já me casava com Don, que era um amigo de longa data de meu irmão Harry.
 

ISTOÉ

Já tinha a certeza naquele momento de que seguiria a carreira de atriz?
 

Meryl Streep

Não. Ainda estava dividida entre ser atriz ou advogada especializada no meio ambiente (risos).
 

ISTOÉ

Como foi viver uma senhora na casa dos 80?
 

Meryl Streep

Minha mãe costumava dizer que há dois palavrões na língua inglesa: gordo e velho. E foi esse aspecto da velhice de Thatcher que mais me interessou. Qual filme nos dias de hoje se preocuparia em contar uma história do ponto de vista de uma idosa? O velho é a pessoa menos importante e interessante para a sociedade consumidora. Ninguém quer saber dos velhos. É essa a verdade.