Assista ao depoimento do advogado Ricardo Andrade, que é generoso, ansioso e impulsivo e diz que esses traços o levaram a pesar 112 kg : 

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Você poderia dizer, agora, quais são os traços mais marcantes da sua personalidade? Se nunca deu muita atenção a assuntos dessa natureza e está lutando com a balança para eliminar alguns quilos incorporados à sua silhueta nos últimos anos, comece a considerar a possibilidade de pensar sobre isso. A razão? Sua personalidade pode estar engordando você. É o que afirma um dos mais importantes trabalhos científicos sobre obesidade já realizados até hoje. Por 50 anos, um grupo de pesquisadores americanos mediu o índice de massa corporal (IMC, uma medida que avalia a relação entre peso e altura) de uma população de 1.998 pessoas do Estado de Baltimore, nos Estados Unidos, e cruzou esses dados com avaliações psicológicas. Para identificar os traços de cada um dos voluntários do estudo, os pesquisadores avaliaram características como a disponibilidade para novas experiências, a sensibilidade aos sentimentos dos outros, a extroversão, a capacidade de concordar e discordar e os níveis de preocupação.

Após mais de 15 mil checagens e medidas ao longo de cinco décadas, chegaram à conclusão de que o temperamento tem sim fortes conexões com as chances de desenvolver a obesidade ao longo da vida e pode ser o seu passe de entrada para o clube dos gordinhos na vida adulta. “Pela primeira vez, mostramos que há uma variedade de traços de personalidade que estão relacionados com o ganho de peso e que cada uma dessas características contribui para isso de uma maneira diferente”, disse à ISTOÉ a pesquisadora Angelina Sutin, do Instituto Nacional do Envelhecimento, coordenadora do trabalho.

O estudo de Angelina demonstrou, com rigor científico irrefutável, a relação de causa e efeito entre situações que antes eram observadas, mas não tinham o peso de uma verdade científica. Agora, é oficial. Características como a impulsividade, a generosidade, o perfeccionismo e o neuroticismo predispõem as pessoas ao ganho de peso. Expressão pouco usual em português, neuroticismo significa uma tendência geral a experimentar mais as emoções negativas como tristeza, medo, culpa, raiva e vergonha, o que deixa a pessoa emocionalmente vulnerável. Mais do que isso, essas marcas de temperamento funcionam como uma previsão de que o indivíduo terá problemas com a balança ao longo da vida. “Essas características permitem predizer que a pessoa se tornará obesa com o passar do tempo”, garante a pesquisadora Angelina.

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O trabalho de Baltimore assinala ainda que a inclinação a desempenhar muitas tarefas ao mesmo tempo, especialmente quando se está sentado à mesa para uma refeição, e a dificuldade para dormir, seja por privação do sono ou por ser mais notívago, igualmente abrem a porta para o maior consumo de calorias. Ser mais extrovertido, amigável e disponível para situações inusitadas foi mais uma faceta que se sobressaiu nessa investigação. “Na amostra estudada, essas pessoas também mostraram tendência a pesar mais”, diz a estudiosa americana. 

Por causa da sua importância para o entendimento mais profundo das origens e desafios colocados pela obesidade, a associação entre as diversas nuances da personalidade e o ganho de peso está sendo examinada também em outros centros de estudo. Junto com os achados da pesquisa de Angelina, as descobertas que vêm desses demais trabalhos estão ajudando a decifrar esse tema tão complexo. Na semana passada, um trabalho de cientistas da Case Western Reserve University (EUA) mostrou, por exemplo, que as pessoas que estão sempre querendo agradar aos outros comem mais em eventos e outras situações sociais. “Elas sentem ainda mais pressão para comer quando acham que isso vai ajudar outro indivíduo a se sentir mais confortável”, afirma a psicóloga Julie Exline, autora do estudo, publicado na última edição do “Journal of Social and Clinical Psychology”.

Em outro trabalho, Robert Cloninger, da Escola de Medicina da Universidade de Washington (EUA) – considerado um dos mais renomados cientistas na investigação do impacto dos traços de personalidade no comportamento –, constatou que gente mais afeita à busca por experiências novas e sensações agradáveis também come demais. “Esses indivíduos tendem a consumir emoções e alimentos com a mesma intensidade”, disse Cloninger à ISTOÉ. “Quanto maior seu peso, mais intensa essa característica se mostra”, completou o estudioso.

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A tendência a perder o controle e comer demasiadamente, mesmo para quem já conseguiu emagrecer, tem feito Cloninger acreditar que as causas da obesidade sejam muito semelhantes aos motivos que levam ao alcoolismo e à dependência de substâncias psicoativas. “É como um vício”, diz ele, que agora está envolvido na formação do que chama de treinadores para ensinar aos obesos a comer e a viver com mais bem-estar e qualidade.

A descoberta do papel real da personalidade no engorda-emagrece aumenta a importância de que as dietas sejam repensadas para que possam ter aumentados seus índices de sucesso. No Brasil, por exemplo, metade da população está acima do peso e é sabido que menos de 10% daqueles que conseguem emagrecer conseguirão manter a forma um ano depois. “Isso se agrava pelo fato de que existem especialistas que prescrevem programas alimentares sem considerar as características da pessoa que está à sua frente. É meio caminho andado para o fracasso”, diz a médica nutróloga Vânia Assaly, de São Paulo. De fato, apesar de haver um consenso sobre a obesidade ser fruto da associação de causas genéticas, ambientais e também psicológicas, um grande número de profissionais ainda trabalha nos moldes antigos, na base do remédio e regime de restrição calórica. “É algo que precisa mudar”, afirma o endocrinologista Walmir Coutinho, do Rio de Janeiro, presidente eleito da Associação Internacional para o Estudo da Obesidade.

Nos serviços mais atualizados, porém, o peso da personalidade para fazer subir ou descer os ponteiros da balança começa a ser levado em consideração na hora de formular a dieta certa. No programa-modelo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) para tratar adolescentes obesos, coordenado pela pesquisadora Ana Dâmaso, aspectos como hábitos e emoções dos pacientes ajudam a balizar, inclusive, a quantidade maior ou menor de proteínas, carboidratos e lanchinhos distribuídos ao longo do dia. “A obesidade não tem causa única e, por isso, o tratamento ganha maiores chances de sucesso se o atendimento é multiprofissional, com nutricionista, psicólogo, endocrinologista e professores de educação física”, diz Ana, graduada em educação física e pós-graduada em nutrição e em pediatria. Por vezes, detalhes preciosos relacionados à personalidade do indivíduo fazem toda a diferença na sua briga contra a balança. “Há pessoas que têm um episódio de comilança uma vez ou outra, enquanto algumas enfrentam isso quase todo dia. É necessário estar atento a esses perfis na hora de avaliar o paciente”, diz o psiquiatra Adriano Segal, do Ambulatório de Obesidade do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Em parceria com o endocrinologista Alfredo Halpern, ele acaba de lançar o livro “O Estômago Possuído”, em que discute o hábito de comer compulsivamente.

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Outro grupo que inclui a avaliação da personalidade na formulação de dietas são os Vigilantes do Peso, conhecido por seu elevado índice de sucesso. “Trabalhamos muito com as características das pessoas, como a impulsividade, a competitividade e a ansiedade, e sugerimos formas de lidar com elas”, explica Fernanda Fernandes, gerente nacional da organização no Brasil.

Um dos instrumentos mais usados atualmente para impedir que os traços de personalidade sabotem a perda de peso é a terapia cognitivo-comportamental, a TCC. “Posso ser criticado e gerar polêmica com essa afirmação, mas estudos mostram que esse recurso tem dado resultado mais eficiente para modificar comportamentos e interferir de maneira positiva contra a obesidade do que outros métodos terapêuticos”, diz Walmir Coutinho.

Usada também para auxiliar os pacientes no tratamento de depressão, fobias, hiperatividade e dependência química, entre outras indicações, a TCC parte da premisssa de que sentimentos e reações comportamentais são consequência de pensamentos criados sobre determinadas situações. “Eles são derivados de crenças que podem ser trabalhadas e transformadas”, explica o terapeuta Cristiano Nabuco, de São Paulo, que aplica a técnica no tratamento de transtornos alimentares. O objetivo da terapia é impedir que essas crenças continuem a determinar os comportamentos.

As pesquisas demonstram que o apoio psicológico faz mesmo diferença. “Em seis meses de acompanhamento, os obesos que mais emagreceram e aderiram aos exercícios físicos foram os que fizeram terapia”, diz a psicóloga Joana Ferreira, do Grupo de Estudos da Obesidade da Unifesp, campus de Santos, litoral de São Paulo.

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Um aspecto a ser ponderado em relação ao reconhecimento do papel da personalidade no ganho de peso é ter cuidado para não transformar a informação em uma visão preconceituosa. No passado, antes que a medicina comprovasse tratar-se de uma doença multifatorial, os obesos eram vistos como gente fraca, sem disciplina ou força de vontade para mudar a própria vida e emagrecer. Esse mesmo tipo de associação – simples e limitada – não pode ser transportada para o vínculo entre personalidade e ganho de peso sob pena de se incidir novamente em erro. Ou seja, cair no raciocínio fácil – e equivocado – de que alguém está fora do peso simplesmente porque é mais impulsivo ou intolerante. “Não podemos ser reducionistas. A obesidade cresce no mundo inteiro e é uma das formas de expressão do sofrimento psíquico e das frustrações dessas pessoas em relação ao nosso modelo de sociedade, entre outros aspectos”, observa a psicanalista Patrícia Spada, da Unifesp, especialista no tratamento de transtornos alimentares.

Além disso, há estudos mostrando que os traços de personalidade podem funcionar de maneira antagônica. Um trabalho da Universidade Doshisha, no Japão, mostrou que o mesmo neuroticismo que leva ao ganho de peso pode ser uma ferramenta que ajuda algumas pessoas a ser mais rígidas na dieta e na mudança de hábitos. A conclusão dos pesquisadores é de que as pessoas mais preocupadas se mostraram também mais predispostas a fazer sacrifícios para atingir suas metas. “O ideal é que médicos e pacientes consigam identificar se um traço de personalidade mais marcante pode ajudar ou atrapalhar o emagrecimento”, afirma a endocrinologista Maria Fernanda Barca, de São Paulo. “Não é fácil, mas é o caminho.” 

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