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Ao todo, eram três carrinhos de mão abarrotados com pilhas de papel. Não transportavam arquivos mortos, mas petições vivíssimas, endossadas por 1,3 milhão de eleitores, que ainda acreditam ser possível separar o joio do trigo na política brasileira. Ao protocolar o projeto de lei popular na Câmara dos Deputados, na terçafeira 29, o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral deu o pontapé inicial na Campanha Ficha Limpa, que exige regras mais rígidas para os candidatos que quiserem disputar um cargo eletivo. Pela proposta, não poderão ser eleitas pessoas condenadas em primeira instância ou denunciadas pelo Ministério Público por crimes de racismo, homicídio, estupro, tráfico de drogas e desvio de verbas públicas.

Após receber os líderes do movimento, o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), garantiu que dará celeridade à tramitação do projeto, mas fez uma ressalva sobre o texto: "Desde logo digo que existe uma dúvida. Deixar essa decisão na mão de um único juiz é problemático. A tendência da Câmara é levá-la a um órgão colegiado."

Tudo indica que a iniciativa popular será mesmo atropelada pelo Congresso. Boa parte dos parlamentares tem fortes motivos para não aprová-la. Em fevereiro, um levantamento feito por ISTOÉ mostrou que sete senadores e 38 deputados – ou 7,5% do Congresso Nacional – respondem a processos no Supremo Tribunal Federal (STF) por crimes que vão desde falsidade ideológica até sequestro. Se a regra estivesse em vigor em 2006, nenhum dos envolvidos no escândalo do mensalão, por exemplo, poderia ter se candidatado. O deputado José Genoino (PT-SP), um deles, rechaça com veemência o movimento liderado pela Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e outras 43 entidades de classe. "Fui denunciado injustamente e estou com ficha suja. A pior coisa é julgar um cidadão sem prova definitiva. Essa iniciativa é reacionária, é conservadora, é filosoficamente violenta", diz Genoino.

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Apesar das fortes reações, o coordenador nacional da campanha, Carlos Moura, disse que está otimista. Ele lembra que há exatamente dez anos foi aprovada a primeira lei de iniciativa popular, que combate a compra de votos durante o período eleitoral, a Lei 9.840/99. "Naquela época muitos disseram que a lei não seria aprovada, mas só levou 45 dias na Câmara e 45 dias no Senado", lembra Moura. A decisão sobre os fichassujas certamente caberá ao STF. Os parlamentares contrários à proposta alegam que o projeto ignora o artigo 5º da Constituição, pelo qual o réu só é considerado culpado depois que a sentença condenatória transita em julgado. Mas o presidente da Associação Brasileira dos Magistrados, Procuradores e Promotores Eleitorais, juiz Márlon Reis, defende que a proposta regulamenta o artigo 14 da Constituição e que a previsão da "sentença transitada em julgado" só vale para o direito penal, e não para o direito eleitoral. O ministro do STF Marco Aurélio Mello concorda, mas diz que o tema dá margem a muitas interpretações. E lembra que, aprovada ou não a iniciativa popular, o futuro dos fichassujas está nas mãos dos eleitores: "A sociedade não é vítima dos políticos que tem. É autora. Com ou sem lei, a população tem que buscar os antecedentes de seus candidatos."

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