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Se por um lado funcionam como uma bênção da natureza e movem boa parte da engrenagem turística que alimenta sua economia, as ondas e o surfe são ao mesmo tempo, de certa forma, um limitador da expansão da riquíssima cultura havaiana.

Pouco se sabe e se fala, por exemplo, sobre a música produzida no arquipélago tomado pelos americanos, berço de seu atual presidente e que se tornou um Estado daquele país há relativamente pouco tempo.

Há muita música excelente produzida nas ilhas, a guitarra havaiana e o uquelele são razoavelmente conhecidos, mas é bastante possível supor que uma pesquisa em qualquer ponto do Brasil e de boa parte dos países do mundo que se ponha a perguntar os nomes dos artistas havaianos mais conhecidos resulte num conjunto vazio.

A simpática e corpulenta figura boiando na foto está seguramente entre os mais populares e respeitados artistas originários do Havaí em todos os tempos. Seu nome era Israel Kamakawiwo‘Ole. IZ, como gostava de ser chamado, morreu em 1997, aos 38 anos, por conta de complicações respiratórias e outros problemas resultantes da obesidade, doença de que sofria desde muito novo. Seu corpo alcançou proporções impensáveis, o que o levava inclusive a ter que ser erguido por máquinas para alcançar certos palcos.

Seu peso chegou a inacreditáveis 343 quilos para 1,88 m. Havaiano puro, Israel se mostrou habilidoso com a música e o uquelele (uma espécie de cavaquinho levado para lá pelos portugueses da Ilha da Madeira que trabalharam nas primeiras lavouras de cana-de-açúcar do Havaí), desde os dez anos de idade. Seu grupo Makaha Sons gravou 21 álbuns que fizeram sucesso, mas em sua carreira solo, iniciada em 1993, Israel atingiu feitos nunca antes conseguidos por um músico havaiano. Seu primeiro disco solo, “Facing Future”, é até hoje o álbum de um artista havaiano mais vendido em todos os tempos, tendo superado a marca de um milhão de cópias vendidas.

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Sua música mais conhecida provavelmente é “Over the Rainbow/What a Wonderfull World”, na verdade um blend de duas músicas americanas muito populares, que ganharam alma nova. Sua voz suave e levemente melancólica, a melodia encaixada e o uquelele brilhante levaram a canção às trilhas de incontáveis filmes de cinema, séries de televisão e filmes publicitários em dezenas de países. Importante dizer que, além da musicalidade muito acima da média, IZ não cantava só mensagens que remetiam a fins de tarde perfeitos nas praias havaianas, mas que também tratavam do sentimento de expropriação de um povo que viu sua pátria ser arrancada de seus ancestrais, sua rainha presa em seu próprio palácio por forças armadas agindo a mando de homens de negócios americanos no fim do século XIX, suas terras tomadas e sua cultura e língua postas de lado com brutalidade primeiro por missionários, depois pela anexação considerada ilegal de que foram alvo por parte dos EUA. Um sentimento que, apesar de abafado e não unânime, ainda é forte e presente nas ilhas cujos índices de pobreza e educação são dos mais alarmantes do país. Um sentimento tão forte e genuíno quanto as ondas que quebram sobre suas bancadas de corais e como a música maravilhosa de Israel “IZ” Kamakawiwo‘Ole.

A coluna de Paulo Lima, fundador da editora Trip, é publicada quinzenalmente


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