Nas grandes cidades e nos rincões do País, centenas de prefeitos que buscam a reeleição no pleito de outubro formam uma nova categoria de candidatos. Como não foram condenados pela Justiça, sempre morosa em seus trâmites, eles não podem ser chamados de “fichas-sujas”, como são definidos os políticos com passado comprovadamente criminoso. Na condição de denunciados, porém, seria justo dizer que eles são os “fichas-manchadas”. Mesmo acusados pelo Ministério Público e outros órgãos de fiscalização por fraudes e cobrança de propina, entre outros crimes, esses políticos já se articulam para disputar um novo mandato nas próximas eleições. Um minucioso levantamento feito por ISTOÉ nos registros dos Tribunais de Justiça estaduais revela uma situação alarmante: há em curso mais de 520 ações civis contra gestores municipais atualmente no cargo, além de outras 283 já concluídas e que resultaram em cassações de mandato. Além disso, mais de 440 prefeitos figuram em relatórios de auditorias da Controladoria-Geral da União por desvio de recursos de convênios com o governo federal. As denúncias têm afetado pouco a vida e os planos eleitorais dos suspeitos, que não parecem se constranger com o risco de ter que interromper um comício para depor na Justiça.

Em São Luís, capital do Maranhão, João Castelo (PSDB) segue para a campanha de outubro carregando sobre os ombros uma ação de improbidade por fraude em licitação. Ele é acusado de participar de um esquema que teria desviado cerca de R$ 115 milhões. Em João Pessoa, o mesmo pecado. O prefeito Luciano Agra (PSB) é acusado de superfaturamento de pelo menos R$ 3 milhões em desapropriações de terras. Já a prefeita de Natal, Micarla de Souza (PV), responde por denúncias de ilegalidade nas transações de aluguel de um imóvel para abrigar uma das secretarias municipais. Na capital mineira, o prefeito Marcio Lacerda (PSB) é o oponente que ninguém quer enfrentar. Com o apoio de caciques e a capacidade de fechar acordos suprapartidários, ele ignora a ação do Ministério Público que o acusa de causar danos ao Erário em quase R$ 1 milhão com fretamento de aeronaves. Ao se explicar sobre a ação do MP, o prefeito disse que usou os aviões fretados para cumprir compromissos de agenda. “Nenhuma das viagens teve motivação pessoal ou partidária”, afirmou. Também em Minas Gerais, o prefeito de Bambuí, Lelis Jorge Silva (PTB), vai lançar sua campanha de reeleição sem que tenha explicado a denúncia de aplicação irregular de R$ 3,1 milhões, repassados pelo Ministério da Integração Nacional para aplicação em obras de recuperação de vias públicas.

O juiz Marlon Reis, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), alerta que denúncias vão acompanhar prefeitos candidatos à reeleição em centenas de pequenas cidades do interior brasileiro, como é o caso de Santa Bárbara d’Oeste (SP), Arataca (BA) e Codó (MA), para citar os exemplos mais gritantes (leia nas fichas que ilustram esta reportagem dez nomes que se destacam entre os campeões de irregularidades). “Há problemas de todos os tipos e em cidades de diferentes Estados”, diz Reis. “Os processos demoram tanto que os acusados se reelegem sem que ocorra uma conclusão. Muitas vezes, eles são punidos somente muitos anos depois de deixar o poder.” A previsão do juiz já é uma realidade. Caciques de cidades brasileiras deixarão o cargo em dezembro sem arranhões judiciais, apesar da gravidade das acusações que pesam contra eles.

Mesmo aqueles denunciados que não podem mais se reeleger darão as cartas na sucessão. É o caso dos prefeitos de Maceió, Cícero Almeida (PTB), e de São Paulo, Gilberto Kassab (PSD). O primeiro carrega a acusação de ser o mentor da chamada “Máfia do Lixo”. Almeida foi denunciado pelo Ministério Público sob acusação de integrar uma quadrilha que desviou mais de R$ 200 milhões dos cofres públicos por meio de contratos com empresas de recolhimento de lixo. O caso foi parar no Tribunal de Justiça do Estado – e lá ficou. Kassab figura como um dos políticos mais cortejados nas articulações para o pleito de outubro, enquanto é acusado pelo MP paulista de envolvimento em fraudes na inspeção de veículos. Segundo os procuradores, o fundador do PSD teria causado prejuízo de mais de R$ 1 bilhão à Prefeitura para favorecer uma empresa doadora de recursos para sua última campanha.

O presidente da Confederação Nacional dos Municípios, Paulo Ziulkoski, tem uma teoria polêmica sobre o número elevado de acusações contra prefeitos. Para ele, as ações não refletem propriamente um aumento da corrupção nas prefeituras, mas seriam consequência de falhas no sistema de repasses. “O problema está nos convênios e nas irregularidades que nascem em Brasília e deságuam nos pequenos municípios”, diz Ziulkoski. “É um ciclo vicioso em que o prefeito, de pires na mão, precisa se submeter para conseguir recursos para a cidade. É injusto jogar a culpa somente no gestor.” Seja lá de quem for a culpa, o fato é que a corrupção nos municípios desenhou um novo mapa de poder nas prefeituras nos últimos anos. Até o fim de 2011, foram realizadas 169 novas eleições por conta da cassação de mandatos de prefeitos e vices. Nos próximos anos, esse número pode ser ainda maior, considerando o fato de que metade dos políticos com as fichas manchadas por denúncias provavelmente ainda estará no poder. Claro que isso dependerá primeiro do eleitor e depois do próprio Judiciário.

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