O segredo mais bem guardado da música brasileira, nos últimos tempos, está para ser revelado: daqui a três semanas chega às lojas o novo CD de Chico Buarque. Chama-se Carioca e sai pelo selo Biscoito Fino. Põe fim a um longo jejum de oito anos iniciado com o último disco que ele lançou – As cidades, em 1998. Pelo título do novo CD, pode-se pensar que Chico, aos 61anos, derrama-se em nostalgia – afinal, carioca era o seu apelido em São Paulo, nos tempos de infância, porque ele nasceu no Rio de Janeiro. É bom lembrar, no entanto, que muitas vezes Chico cai na gargalhada quando tentam interpretar os nomes de seus discos. Certa vez quiseram saber por que o CD As cidades tem esse nome. Chico respondeu com aquilo que, segundo ele, mais gosta de fazer – ou seja, dar risada. Foi gargalhando que falou: “Sei lá por que chama As cidades. Chama-se assim como poderia ter qualquer outro nome.” Pois bem: de volta a Carioca, lembranças da adolescência também estão na faixa As atrizes. É um show de criatividade: nessa letra, Chico homenageia às estrelas do cinema que ele via, nas telas, banhando-se e embelezando-se para sair com outros homens (os mocinhos dos filmes), e não com ele. E conclui: daquelas mulheres nas telas, ele não sentia ciúme. Mais recordações: em Outros sonhos, inspirada numa canção espanhola cantada pelo seu pai (o historiador Sérgio Buarque de Hollanda), Chico cria imagens de “luares ao meio-dia” e “doentes do coração dançando na enfermaria”. O CD tem 12 faixas, nove delas inéditas.

Oito anos de espera são um século quando se trata de Chico Buarque. E o que fez ele ao longo desse tempo? Jogou futebol pelo seu time Polytheama, a paixão de sua vida, e, como todo craque, se contundiu: quebrou o dedo mínimo da mão direita. Ainda no campo do futebol, sem trocadilhos, Chico se recusou a entrar em campo e jogar futebol com o presidente Lula. Mais: Chico escreveu Budapeste (2003), que foi premiado em diversos países, ficou longe das badalações que comemoraram os seus 60 anos e cunhou uma frase antológica para explicar a ausência: “Todos nós éramos mais bonitos quando tínhamos 20 anos.” Fato inusitado, ele se dispôs a contar casos e a repassar sua carreira em 12 programas da série Chico Buarque, dirigidos pelo velho amigo Roberto de Oliveira. A série virou uma coleção de DVDs que é campeã de vendas: 550 mil unidades evaporaram do mercado. No DVD Uma palavra, que chega às lojas esta semana, ele se vale de mais uma história engraçada para explicar como apaziguou sua briga interior entre o escritor e o músico: “É como se fossem duas pessoas. Mas como elas não criam ao mesmo tempo, uma fica alerta e a outra vai dormir. Dorme três, quatro anos e depois volta.” Falando em graça, há uma conversa ótima entre Chico e Edu Lobo num dos DVDs. Para surpresa geral, Chico revela que a música Uma canção inédita (musical Cambaio) não tinha nada de inédito. E diz, novamente rindo, para um Edu com cara de assustado: “Para variar, é mentira. Como tudo, é mentira.”

A primeira música a vir à luz nesses oito anos foi Renata Maria, parceria inaugural com Ivan Lins, que esperou três meses pela letra – nada mal, Astor Piazzola esperou a vida inteira. Essa letra de Chico tem duas imagens de texto preciosas, pela exatidão e riqueza das rimas: um homem espera Renata Maria sair novamente do mar, e a aguarda “quieto como um pescador a juntar seus anzóis/ou como algum salva-vidas no banco dos réus”. Fala Ivan Lins: “Encontrei o Chico num restaurante. Ele veio logo cantarolando a melodia. Disse que seu letrista de plantão estava em férias. Aí os meus dois netos nasceram e ele me ligou dizendo que eu tinha entrado para a confraria. Quatro dias depois mandou a letra.” Roberto de Oliveira também explica a demora do amigo para letrar: “Ele fica burilando. Não gosta de mostrar a letra enquanto não está pronta.” Quatro músicas de Carioca foram feitas para cinema. Uma delas é Imagina (parceria com Tom Jobim), cantada em dueto com Mônica Salmaso, que fecha o CD. “Quando ele me ligou convidando, eu achei bonitinho porque me perguntou se eu conhecia a canção”, diz ela. As outras são: Fora de hora (parceria com Dori Caymmi), que está no filme Lara; a canção Sempre, trilha de O maior amor do mundo; e Porque era ela, porque era eu, que está em A máquina, dirigido por João Falcão e já em cartaz. “O Chico é muito cuidadoso, rigoroso, e isso explica o resultado excelente de seu trabalho”, diz Falcão. Só resta agora esperar três semanas.