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CONFRONTO
Manifestante pró-emprego enfrenta polícia nas ruas de
Atenas: salvação para europeus pode vir dos emergentes

Cenário um: dívidas públicas bilionárias, bancos quebrados, índices alarmantes de desemprego, inflação em disparada, pedidos de socorro ao Fundo Monetário Internacional, protestos de estudantes nas ruas e a resposta violenta da polícia, medo do futuro. Cenário dois: centenas de bilhões de dólares em reservas internacionais, lucros recorde de bancos e empresas, empregos em alta, inflação sob controle, empréstimos bilionários concedidos ao FMI, levantes populares cada vez mais raros, confiança no futuro. Responda rápido: que países vivem os problemas descritos no primeiro grupo? Quais são as nações poderosas que integram o segundo time? Nestes novos tempos em que o mundo parece ter virado de cabeça para baixo, alguns papéis históricos foram invertidos. Em 2011, mais do que em qualquer outro período da história, o tabuleiro de forças mundiais mudou de direção. Enquanto as maiores potências da Europa e os Estados Unidos patinaram em uma crise sem precedente, emergentes como Brasil, China e Índia não só deram sinais de vitalidade econômica como passaram a ocupar o espaço antes cativo dos ricos do Norte, inclusive dando as cartas em encontros de líderes globais.

Um estudo divulgado na segunda semana de dezembro dá a dimensão dessa mudança. Segundo a consultoria A. T. Kearney, em 2011 os três países mais atrativos para investimentos estrangeiros foram, na ordem, China, Índia e Brasil. Pela primeira vez, os Estados Unidos não apareceram nas duas primeiras posições. Em quarto lugar, os americanos foram ultrapassados pelas forças emergentes.

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FARTURA
Operários do Estaleiro Ilha, no Rio: onda de investimentos gera número recorde de empregos

O motivo? “Instabilidade financeira”, de acordo com a conclusão da A. T. Kearney. Parece um contra-senso, mas a palavra instabilidade hoje em dia está muito mais associada a países como Estados Unidos, Espanha, França e Itália do que, digamos, ao Brasil. Nos Estados Unidos, uma crise política – outra expressão até pouco tempo atrás estranha aos ricos do Norte – abalou ainda mais a economia. À beira da inadimplência, o governo de Barack Obama sofreu para honrar títulos de sua dívida e durante 2011 o mundo assustou-se com a possibilidade da moratória (mais uma palavra que os brasileiros conhecem muito bem). Na Europa, a ameaça do calote rondou países como Grécia e Portugal, afastou investidores e dificultou a concessão de empréstimos e financiamentos.

A Europa ferveu em 2011 como poucas vezes em sua história. Na tentativa de debelar a crise iniciada em 2008, os países europeus aumentaram absurdamente os gastos públicos e, por isso, as dívidas dos governos atingiram níveis impagáveis. Claro, alguém vai ter de pagar a conta. Especialmente na Grécia e na Espanha, os governos impuseram uma série de sacrifícios à população, como o aumento de impostos e o corte de empregos. A reação foi forte. Protestos de estudantes e trabalhadores reuniram milhares de pessoas e cenas de guerra foram vistas nas ruas de Atenas, Madri e Paris. A crise financeira desabou com tal força sobre o Velho Continente que provocou a queda de Silvio Berlusconi, primeiro-ministro italiano, e Georges Papandreou, premiê grego. Convenhamos: isso tudo não faz lembrar as mazelas de países pobres?

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NOVOS TEMPOS
Italianos brigam com a polícia em Veneza (acima) e
artistas londrinos ironizam a falta de emprego na Inglaterra

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A inversão de papéis foi tão marcante que, em novembro, os líderes do G-20 discutiram a possibilidade de socorro financeiro que viria dos emergentes. A resposta dos europeus lembrou o Brasil dos anos 80. Na Itália, congressistas afirmaram que a ajuda da China significaria “a perda da soberania da Europa”. Em Portugal e na Espanha, manifestantes carregaram faixas contra o “imperialismo chinês”. Na Grécia, gritos contra o FMI uniram jovens de todo o país. Nada muito diferente do que milhares de brasileiros fizeram há três décadas, quando o FMI era o demônio encarnado na figura dos diretores da instituição e os Unidos Unidos, o império a ser contestado. O que significam essas transformações? “É um processo inexorável”, escreveu o Prêmio Nobel de Economia Paul Krugman.

“A riqueza mundial está trocando de lugar.” Para o economista Jim O’Neil, que em 2001 criou o termo Bric (Brasil, Rússia, Índia e China), a arrancada dos emergentes é um caminho sem volta. “Especialmente China e Brasil serão cada vez mais poderosos”, disse O’Neil. “Enquanto isso, muitos ricos de hoje serão em breve conhecidos como ex-ricos.” O ano de 2011 deixou uma valiosa lição. O mundo mudou – e o Brasil pela primeira vez é protagonista desse processo.  

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