21/12/2011 - 21:00
MULTICULTURAL
Na capital alemã, vivem pessoas de mais de 190 nacionalidades
Klaus Wowereit, prefeito de Berlim, diz que a capital alemã é “pobre, mas sexy”. É verdade. Mais de 20 anos depois da queda do Muro, a cidade ainda luta para se livrar do esvaziamento econômico provocado pela divisão imposta pela Guerra Fria e pelo fim dos subsídios do governo federal. Mas é sedutora o bastante para atrair um número crescente de visitantes e fazer do turismo um dos mais importantes motores da economia atualmente. E, entre os visitantes, há cada vez mais brasileiros – foram quase 65 mil estadias somente no primeiro semestre deste ano, um aumento de 31,5% em relação ao mesmo período de 2009, segundo levantamento da tevê Deutsche Welle. Político de centro-esquerda, Wowereit é cria do Partido Social Democrata (o SPD do ex-primeiro-ministro Gerard Schröder) e acaba de conquistar seu terceiro mandato à frente de Berlim.
"Angela Merkel reagiu tarde, com pouca energia, e a crise ficou
cara. Falta coragem para tomar medidas contra o mercado"
Homossexual assumido, ele saiu do armário quando sentiu que os seus inimigos começavam a tramar escândalos sobre sua orientação sexual. A revelação, porém, ajudou a construir uma imagem de figura simpática, popular e irreverente, como a cara da cidade. Aos 58 anos, Wowi, como é conhecido, vive com seu companheiro de longa data, um neurocirurgião, e admite que foi difícil assumir sua homossexualidade. Wovi nunca esteve no Brasil, mas diz que acompanha com grande interesse o crescimento nacional, sobretudo no campo econômico. Ao ex-presidente Lula, rasga elogios: “É um político carismático, adorado para além das fronteiras brasileiras e que fez muito pelo desenvolvimento do País.”
"Não temos como recuperar a indústria que havia em
Berlim no tempo em que a cidade estava dividida"
O sr. acha correto que a Alemanha, a economia mais forte da Europa, pague a maior parte da conta para evitar a quebra de países como Grécia e Portugal? Por quê?
Cada Estado tem que usar sua força econômica para fazer uma contribuição financeira razoável. Por isso, a participação da Alemanha é especialmente requisitada. Ao mesmo tempo, nós temos que assegurar que as medidas de poupança nos países atingidos sejam duradouras.
Na Alemanha, muita gente defende o fim do euro e a volta do marco alemão. O que o sr. acha disso?
Acho que a nostalgia, nesse caso, não nos ajuda. Só unida a Europa poderá desempenhar um papel importante neste mundo globalizado. Além disso, a Alemanha também lucrou com o fato de, nos últimos dez anos, não ter havido flutuações na taxa de câmbio. E boa parte das exportações alemãs vai para a zona do euro, o que é uma enorme vantagem para a economia do povo alemão. Nossos vizinhos já tiveram medo, nesse meio-tempo, de que essa vantagem fortalecesse as desigualdades, como a gente percebe no debate sobre a ajuda financeira.
Como julga a política da primeira-ministra Angela Merkel em relação à crise europeia?
Ela só reagiu muito tarde e com pouca energia. E assim a crise só se intensificou, ficou ainda mais cara. Agora, parece que a maior parte dos governos europeus está no caminho certo. Mas falta a eles – e também ao governo alemão – a coragem para tomar medidas consequentes contra a influência do mercado financeiro. Em especial, seria urgente estabelecer um imposto sobre transações financeiras.
Foi difícil tornar pública a sua homossexualidade?
Não foi uma decisão nem um pouco fácil, especialmente porque, até então, praticamente não havia homossexual assumido na política. Além disso, essa “saída do armário” também não foi sem risco. Mas, para mim, foi importante abrir o jogo. Já tinha ficado claro que outros estavam planejando usar esse tema abertamente contra mim. Não foi fácil “sair do armário”, mas foi uma decisão certa.
Hoje, a Prefeitura de Berlim investe em medidas a favor da aceitação da multiplicidade sexual para combater a discriminação. A ideia foi bem aceita?
No início, houve resistência aqui. É justamente na adolescência que as minorias mais frequentemente sofrem com o bullying. A palavra “gay” é usada até hoje nas escolas, com frequência, como um palavrão. Por isso, é ainda mais importante ter uma iniciativa que estimule a aceitação de diferentes formas de viver, para que esse tipo de conceito não fique incutido nas cabeças.
O sr. acaba de ganhar sua terceira eleição. A que atribui o seu sucesso?
Nós oferecemos aos eleitores uma política de justiça social convincente. Acho que foi fundamental a conexão entre experiência política, uma política de direitos sociais e a escolha dos temas certos. Um prefeito tem que entender muito bem a cidade, saber como ela funciona. Os eleitores confiaram a mim a possibilidade de conduzir a cidade rumo ao futuro. Isso me deixa feliz, claro.
Seu slogan de campanha era “Berlim é pobre, mas sexy”. Por que ainda é pobre e não consegue reduzir o desemprego, hoje em 12% contra 7% em nível nacional?
Nos últimos cinco anos, conseguimos estabelecer mais de 100 mil novos postos de trabalho. Mas não temos como recuperar a indústria que havia em Berlim no tempo em que a cidade estava dividida. Por isso, estamos apostando, com sucesso, na expansão das novas tecnologias. A partir daí, queremos ampliar nosso crescimento no futuro. Ao mesmo tempo, o novo aeroporto deverá ser uma fonte de novos empregos quando for aberto, em junho do ano que vem. E não será apenas o turismo – que já é um dos mais importantes motores da economia – que vai lucrar com isso.
Depois da queda do Muro, muitos bairros estavam em péssimo estado e, hoje, estão chiques e caros. Berlim está prestes a perder seu espírito singular e virar uma cidade grande padrão?
Não acredito nisso. Berlim é grande o suficiente para ser a pátria de gente com background, níveis sociais e convicções diferentes. Claro que a mudança na cidade nos últimos 20 anos também teve consequências. Muitos bairros ficaram chiques e, por isso, mais caros para viver. A gente procura sempre preservar essa mistura berlinense no âmbito do morar, viver e trabalhar. Para isso, é preciso, acima de tudo, que os aluguéis sejam razoáveis. Berlim tem cerca de 270 mil apartamentos de propriedade estatal e quer aumentar esse número para 300 mil para poder agir moderadamente no mercado de aluguéis.
A internet ajuda a divulgar uma nova imagem de Berlim?
Berlim já tem quase um milhão de amigos no Facebook, e queremos ultrapassar esse milhão nas próximas semanas. Isso é um belo resultado, do qual muitos atores nessa cidade fazem parte. A internet é, sim, um meio superimportante para o marketing e para a publicidade da cidade. Para mim, é um de vários instrumentos de trabalho político.
Por que o tema integração ainda hoje é tão sensível para a Alemanha?
A Alemanha fechou os olhos, durante muito tempo, para a realidade de que este é um país de imigração. Perdeu-se muito tempo por conta disso. Berlim sempre esteve muito à frente do resto da República. Há 30 anos nossa cidade tem um secretário especial para cuidar das questões da integração, mas a abertura para o mundo e para a internacionalização tem que ser continuamente aprofundada. Na capital alemã, vivem pessoas de mais de 190 nacionalidades, quase sempre em paz umas com as outras. Essa multiplicidade é uma fonte de riqueza cultural. Mas significa também, naturalmente, um grande desafio. Existe ainda gente que desaprova essa abertura, seja por ideologia, seja por medo de mudanças.
Não foi o que disse a primeira-ministra Angela Merkel. A frase dela é: “A tentativa de multiculturalidade fracassou totalmente.”
Essa declaração mostra que a chanceler não entende o que se passa na área urbana do país ou que ela está atrás de obter respeito da ala conservadora do seu partido, o CDU. Já o presidente da República, Christian Wulff, que também é do CDU, foi muito mais longe ao falar de uma “República alemã colorida”.
Os alemães ficaram chocados com a descoberta de um grupo de neonazistas que cometeu impunemente vários assassinatos durante mais de dez anos. Como foi possível que o serviço secreto não descobrisse esse grupo mais cedo?
Esse caso é um escândalo, e eu digo bem claramente: quando se trata de violência da extrema direita, muitos lugares não são devidamente observados. As investigações ainda estão em curso, mas, até agora, parece que haverá um julgamento válido no final. Pelo que sabemos, alguns dos funcionários envolvidos fizeram um trabalho desleixado. Temos que investigar profundamente as ocorrências. E, a partir daí, pensar como é possível melhorar o trabalho conjunto dos órgãos públicos da federação e dos Estados, de forma que isso não volte a se repetir. Isso não ajuda às vítimas e seus parentes, claro. Precisamos de uma postura clara e indiscutível contra a extrema direita. A Alemanha tem que se manifestar a favor da luta contra os velhos ressentimentos, o racismo e a exclusão.
Muitos acreditam que o sr. deve desempenhar um papel relevante no cenário político alemão. O sr. se vê como primeiro-ministro?
Eu sou o prefeito de Berlim e isso me dá muito prazer.
O sr. conhece o Brasil? Quais suas impressões?
Infelizmente, ainda não conheço o Brasil. Mas eu já encontrei muita gente interessante do País e acompanho com grande interesse o desenvolvimento positivo do Brasil, sobretudo no campo econômico. O contato entre a Europa e a América Latina deve se tornar mais frequente no futuro. Nosso relacionamento tem uma boa base. O (ex-presidente) Lula é um político carismático, é adorado para além das fronteiras brasileiras e fez muito pelo desenvolvimento do País.