O filme V de vingança (V for vendetta, EUA/Alemanha, 2006) caiu como uma bomba sobre a intelectualidade e a crítica cinematográfica americana. Imagine: uma obra de Hollywood na qual o mocinho é um terrorista. E mais: o personagem enverga um colete de explosivos, detona o Palácio da Justiça e o Parlamento londrino, não poupa sequer o venerado Big Ben. Fica nítido o motivo do desconforto que foi causado num país que está em guerra contra o terror. Mas como criticar os irmãos Larry Wachowski e Andy Wachowski, roteiristas e produtores do filme, se a obra é uma jóia do cinema?

O enredo original foi criado em 1982 pelo inglês Alan Moore, um dos maiores mestres das histórias em quadrinhos em todo o mundo. Ele mostrou, em seus gibis, o clima de autoritarismo criado na Grã-Bretanha durante o período conservador da primeira-ministra Margareth Tatcher. Para os irmãos Wachowski, a história se repete no governo americano de George W. Bush. Eles então transformaram em filme os quadrinhos de Moore. “Ele não gostara de outras versões de suas obras para o cinema e temia o nosso trabalho”, disse a ISTOÉ o diretor James McTeigue.

O temor de Moore se mostrou infundado. Com US$ 50 milhões para gastar e todo o prestígio adquirido com o filme Matrix, os Wachowski radicalizaram: escreveram, por exemplo, cenas de tortura em que a belíssima Natalie Portman, vestida em trapos, tem sua cabeça raspada. Ela é uma atriz judia e tem consciência de que a sua semelhança com uma prisioneira de campo de concentração será de difícil aceitação para israelitas. “O filme é contra a tirania e o meu personagem é uma pessoa medrosa que precisa perder o pavor para enfrentar a própria tirania. O judaísmo está repleto de pessoas que fizeram essa trajetória, do medo à luta”, disse Natalie Portman a ISTOÉ. Quem conduz a mocinha e o restante da população à rebelião libertária é o personagem V, interpretado pelo ator Hugo Weaving. Mesmo de rosto encoberto ele exibe as suas boas credenciais dramáticas. Tudo isso faz de V de vingança (estréia dia 7 de abril no Brasil) um filme híbrido de ação e política, imperdível e incômodo para todos. Mas principalmente para os americanos.