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Volta e meia nos deparamos com a importância do olhar estrangeiro. Alguém capaz de chegar de fora, com referências distantes e, exatamente por conta disso, nos fazer enxergar de forma mais clara aquilo que está sob nossos narizes.O fotógrafo americano Steve Miller (que nada tem a ver com o band leader dos anos 70) tem uma sólida carreira de décadas de exposições ao redor do mundo e de publicações importantes. Desde 2007, porém, deixou de lado as glamorosas ruas de Nova York, onde nasceu e vive, trocando-as pelas matas e rios amazônicos do Pará para observar algo mais glamoroso ainda. Fotografando animais com equipamentos de raio X, traz para nossos olhos uma espécie de “beleza interior”, estruturas extremamente complexas do mundo natural, com um desenho impossível de ser criado pelo mais talentoso dos designers. Carne e osso, vértebras, escamas, peles, matérias duras e moles, articuladas e flexíveis para dar vida, por exemplo, às piranhas aí na página ao lado. Indivíduos de um cardume, mergulhados no contexto de sua razão de ser: matar para comer, evitar ser comido e cumprir sua função natural de limpar o rio para mantê-lo dentro de um certo equilíbrio.

Na exposição que está montada até 28 de janeiro na galeria Tempo, no Rio de Janeiro, o que se vê em contraponto a essas belas imagens são radiografias de objetos infinitamente mais simples, engendrados pela mente humana, mas paradoxalmente muito mais valorizados pela maioria das sociedades do que aqueles complexos e irreplicáveis organismos. Bolsas, relógios, cintos, carteiras, sapatos e outros objetos de grifes festejadas e símbolos incontestáveis do que se convencionou chamar de “luxo”, criados e manufaturados para o encantamento.

Se for razoável imaginar que uma das principais missões da arte é nos tirar do turbilhão dos pensamentos ordinários e afazeres sem fim e nos levar para um mundo que nos conecte com algo diverso e descolado da correria materialista, acredite, Miller é um grande artista.

Diga-se de passagem, um dos primeiros a flertar com computadores no início da década de 80. Com mais de 30 anos de carreira e nada menos que 33 exibições solo de seu trabalho, Miller diz que as imagens expostas na galeria em Copacabana (ao lado do Hotel Copacabana Palace) olham para a interdependência entre tudo o que existe e para a beleza e a complexidade do mundo.
Muito simples.
E claro.

A coluna de Paulo Lima, fundador da editora Trip, é publicada quinzenalmente