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Reunida com familiares em um restaurante caro, Laura Maldonada Clapper aproveita o clima de descontração e transforma sua despedida para um cruzeiro no pretexto para que venham à tona as histórias do seu clã. Assim poderia ser resumida a trama de “Os Filhos da Viúva” (Companhia das Letras), da escritora nova-iorquina Paula Fox. Com sua prosa densa, recheada de surpresas, o livro é um dos melhores dessa autora considerada uma das grandes ficcionistas americanas.

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Leia um trecho do livro:
 

1. Bebidas

 

Sentada ereta na ponta de uma cadeira, de roupas de baixo, Clara Hansen estava imóvel. Logo seria preciso acender uma luz. Logo seria preciso acabar de se vestir.Concederia a si mesma, naquele estado tão próximo do sono, mais três minutos no apartamento que escurecia. Virou-se para encarar uma mesa na qual estava pousado um pequeno despertador. De súbito, uma  dolorosa agitação a fez ficar de pé num salto. Chegaria atrasada: os ônibus não eram confiáveis. Não podia se dar ao luxo de tomar um táxi até o hotel onde sua mãe, Laura, e o marido de Laura, Desmond Clapper, esperavam-na para os drinques e o jantar. Na manhã seguinte, os Clapper embarcariam num navio — desta vez, para a África. Ficariam fora durante meses. Clara tinha dado um jeito de sair meia hora mais cedo do escritório onde trabalhava para ter tempo suficiente. Mas tinha sido tempo suficiente para afundar num sonho vazio.

 

Clara correu para o seu quartinho, onde seu vestido jazia estendido na cama. Era a melhor coisa que ela possuía. Estava ciente de que, como regra geral, vestia-se defensivamente. Mas 12 tinha feito uma escolha perversa para aquela noite. Laura saberia que o vestido era caro. Que se dane, disse a si mesma, mas não sentiu mais que indecisão quando a seda se assentou na sua pele.

 

Alguns pingos de chuva deslizavam pelas janelas quando ela atravessou a sala de estar. Deixou uma luz acesa para quando voltasse e, por um breve momento, lhe pareceu que a noite já tinha terminado, que ela já voltara para casa, consolada pela ideia de que, já que Laura tinha partido, talvez não precisasse mais pensar nela. Afinal de contas, as ocasiões para os encontros entre as duas eram tão raras.

 

Era começo de abril e ainda fazia frio, mas Clara se cobriu com uma leve capa de chuva. Estava gasta e manchada, mas cumpria uma intenção — um repúdio ao vestido — da qual Clara era apenas remotamente consciente.

 

O tio de Clara, Carlos, estaria presente.E Laura dissera ao telefone que um amigo editor também iria àquela noite de despedida. Clara o encontrara uma vez tempos antes; não pensava nada a respeito dele. Caminhando pela rua, viu um ônibus se aproximando e correu para o ponto. Sentiu de repente, como se os pés apressados a tivessem suscitado, uma excitação angustiada, o estado de espírito com que sempre entrava no território de sua mãe.

 

Doze quadras ao sul do apartamento de Clara, num velho prédio de arenito marrom perto da Lexington Avenue, Carlos Maldonada, irmão de Laura, estava em pé junto à pia com um limão murcho na mão. Não estava com muita vontade de tomar a vodca que servira a si próprio.Soltou o limão, que caiu na pia e se alojou entre os pratos sujos, e em seguida foi até o guarda-roupa. Sem se dar ao trabalho de olhar, apanhou um paletó  no escuro bolorento do armário e o vestiu.