Travessias – Arte Contemporânea na Maré/ Galpão Bela Maré, Comunidade de Nova Holanda, RJ/ até 18/12

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VÍSCERAS
Escultura de Henrique Oliveira no pátio interno do galpão, feita com materiais encontrados no local

O programa de pacificação em favelas do Rio ainda não chegou à Maré, a maior favela da cidade do Rio de Janeiro, que reúne, segundo o Censo do IBGE de 2010, 130 mil pessoas. Em vez da ocupação policial, a Maré recebeu neste mês um projeto de intervenção artística, com o propósito de estabelecer um canal de comunicação permanente entre favela e cidade. Esse canal é o Galpão Bela Maré, uma antiga fábrica de copos de papel, reabilitada para exibir obras de alguns dos principais nomes na arte contemporânea brasileira, concebidas especialmente para o local.

Na seleção dos curadores Luisa Duarte, Daniela Labra e Frederico Coelho, há apenas um “filho” da Maré: Davi Marcos, formado pela Escola de Fotógrafos Populares. Hoje atuante no circuito cultural carioca – expôs no Parque Lage, CCBB, Caixa Cultural e Sesc Rio e trabalhou no longa-metragem “5 X favela” – Marcos é a materialização do objetivo do projeto Galpão Bela Maré: funcionar como uma ponte simbólica e material entre favela e cidade.

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PRECÁRIO
Imaginário urbano compõe estética das obras de Emmanuel Nassar

“A ideia não é expor arte de gueto, mas democratizar o acesso aos equipamentos culturais”, explica Jailson de Souza e Silva, coordenador geral da ONG Observatório de Favelas, idealizador do projeto. “Escolhemos as artes visuais exatamente por ser um foco de estabelecimento de hierarquias estéticas na cidade.

A imensa maioria da população não tem acesso a esse tipo de obra, não se relaciona com ela e carrega o sentimento de que ela é incompreensível”, completa. O projeto tem, portanto, o duplo mérito de questionar a ideia de que a arte seja um campo socialmente impenetrável e combater o “paradigma da carência, precariedade e criminalização” que presume que o morador da favela não está instrumentalizado para se relacionar de igual para igual com o morador da “cidade oficial”.

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NA RUA
Fotografia de Davi Marcos documenta fotógrafo pioneiro da Maré

Embora o jornal “O Globo” – e parte da opinião pública – tenha tachado o galpão como um “bunker da arte no coração da Maré”, o projeto está longe de se proteger entre muros. A distribuição dos trabalhos é a primeira evidência disso: alguns estão instalados em dois galpões, outros estão mimetizados à intensa parafernália visual das ruas da Comunidade de Nova Holanda. Esse é o caso de Marcelo Cidade, que instalou nas ruas LEDs que informam em tempo real o movimento da bolsa de valores. Ou de Marcos Chaves, que instalou faixas como o poema visual “Amarécomplexo” e “Amarésimples”.

Mesmo depois de finalizada a exposição, no domingo 18, o objetivo do Bela Maré é manter em 2012 atividades de formação, produção e difusão das artes visuais. “Temos que romper com a estética do mambembe. A lógica do jeitinho tem que estar desvinculada da ideia da favela. Queremos que o Bela se torne parte do circuito cultural do Rio, como o MAM ou o Theatro Municipal”, afirma Jailson, que tem como parceiros as produtoras Espiral e Automática e a Redes de Desenvolvimento da Maré, outra ONG local. Essa rede pode atribuir ao projeto uma base de integração sustentável, diferentemente do que tem acontecido com outras favelas pacificadas, que entraram para os guias de turismo do Rio, mas ainda não tiveram garantidos seus direitos básicos.