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O ex-presidente da Câmara dos Deputados e conhecido político mineiro José Bonifácio de Andrada, tetraneto do Patriarca da Independência, costumava repetir pelos corredores do Congresso: “Em política, todos os compromissos e determinações devem ser cumpridos, menos quando surgem o fato novo e o fato consumado.” Os dois fatores justificaram as mais importantes reviravoltas políticas ao longo da história. O Partido Social Democrático (PSD) conseguiu unir ambos em 2011. O fato novo e o consumado. O grande idealizador e criador da nova legenda foi o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, escolhido pela ISTOÉ como o Brasileiro do Ano na Política.

Antítese do político comum, o prefeito de São Paulo nunca foi um grande tribuno, como Ulysses Guimarães. Nem tampouco uma liderança imponente, a exemplo de Leonel Brizola, ou uma figura capaz de exercer fascínio sobre as multidões, como o ex-presidente Lula, embora, tal qual o petista, prefira a fala de improviso à leitura de discursos escritos. Apesar de não reunir as características de um político tradicional, ao lançar o PSD, legenda que, logo após seu nascimento, transformou-se na terceira maior bancada da Câmara com 55 deputados, o prefeito paulistano não apenas virou peça-chave no cenário paulista como se tornou ponto de equilíbrio da política nacional. Numa tacada só, Kassab conseguiu construir pontes de aproximação com o governo federal, passou a ser respeitado pelo PSDB, legenda que seu novo partido superou em número de deputados federais, e praticamente tragou o DEM.

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PRIMEIRO ATO 
Na primeira reunião da Executiva do PSD, Kassab
defendeu a criação de uma Assembleia Constituinte em 2014

Hoje, o PSD, presidido por Kassab, além da robusta bancada no Congresso, já conta com dois governadores, seis vice-governadores, 600 prefeitos, 200 deputados estaduais e quase seis mil verea­dores, acomodando oposicionistas históricos do PT interessados em ficar mais próximos do governo Dilma Rousseff e situacionistas sem espaço em seus partidos. “Tacada de mestre”, elogiou o ex-presidente Lula quando informado sobre a criação da sigla. A adesão ao PSD, no prazo-limite estabelecido pelo TSE para a filiação ou troca de legenda, do ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles, com status de potencial candidato à Prefeitura de São Paulo ou até a ministro de Dilma Rousseff, cacifou ainda mais o prefeito paulistano para o jogo eleitoral. Assim, qualquer que seja o quadro em 2012 e 2014, quando forem tratar de alianças e estratégias para as eleições municipais e presidenciais, as principais lideranças políticas do País necessariamente terão de sentar-se à mesa de negociações com Kassab. “Construímos um partido com capilaridade nacional e entramos no jogo”, comemora o prefeito paulistano.

O Partido Social Democrático começou a ser pavimentado no fim de 2010, quando, entusiasta da ideia da fusão do DEM, seu antigo partido, com o PSDB, Kassab percebeu que o projeto estava fadado ao fracasso, a partir da derrota de José Serra para Dilma Rousseff nas eleições presidenciais. “Havia uma convicção que o rumo do DEM estava errado e que precisávamos de um partido de posições”, diz o prefeito à ISTOÉ. O pontapé inicial para a criação da nova legenda foi dado por ele e pelo vice-governador de São Paulo, Afif Domingos, com quem Kassab milita desde 1986, ano em que participava do fórum de jovens empreendedores da Associação Comercial de São Paulo. Aliás, foi pelas mãos de Afif que o prefeito de São Paulo ingressou na política. “Sempre estivemos juntos. Ajudei ele, em 1986, na campanha a deputado federal pelo Partido Liberal. Em seguida, na eleição de presidente, em 1989. E peguei gosto pela política. Agora, não poderia ser diferente. Nós dois demos o grito de largada do PSD”, afirma.

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COM MÉRITOS 
A escolha do estádio do Itaquerão para abrir a Copa 
e 2014 coroou a gestão municipal de Kassab (ao centro)

O mais difícil, segundo ele, foi definir um nome. A primeira opção foi Partido Democrático Brasileiro (PDB), mas a legenda já estava registrada. A segunda hipótese – Partido Socialista Democrático – foi prontamente descartada pelo ex-senador do antigo PFL Jorge Bornhausen, que durante décadas foi um dos símbolos da direita no País. “Você quer que nessa altura da vida eu vire socialista?”, indagou Bornhausen, um dos caciques do novo partido. “Ou não acertávamos no nome ou as siglas aventadas já estavam registradas, incluindo o próprio PSD”, explica. A solução foi convencer um grupo de vereadores de Osasco (SP) a ceder o registro do nome. “Eles foram gentis. Hoje, comandam nosso diretório na região”, conta Kassab. Resolvido o nome de batismo, o passo seguinte foi estabelecer as diretrizes políticas da sigla para, aí sim, partir para atender às exigências jurídicas, entre elas o recolhimento de 490 mil assinaturas de eleitores em pelo menos nove Estados até o prazo-limite de 30 de setembro. Com a oficialização, o trabalho agora e ao longo de 2012 será o de dar uma cara ao partido. Integrante do velho PSD, fundado por Getúlio Vargas, Tancredo Neves descrevia assim o partido. “Entre a ‘Bíblia’ e ‘O Capital’, ficamos com o ‘Diário Oficial’.” Kassab, porém, repudia a pecha de governista. “Evoluímos. Não somos governo. Somos um partido de centro que defende as liberdades individuais, a economia de mercado, mas com Estado forte na Saúde e na Educação, e que pode ou não concordar com o governo”, define. 

Esse discurso soou como música aos ouvidos de Meirelles, hoje o principal nome do PSD. “É, de fato, nosso melhor quadro com capacidade para disputar qualquer eleição majoritária. Desde prefeito de São Paulo até a Presidência da República”, avalia Kassab. Para atraí-lo ao novo partido, no entanto, o prefeito de São Paulo precisou mais do que um bom discurso. Foi necessária uma boa dose de sensibilidade política. No dia 17 de março deste ano, Kassab soube pelos jornais que Meirelles reassumiria a presidência da Associação Viva o Centro, em São Paulo, entidade fundada por ele em 1991. “Percebi ali uma oportunidade. Fui prestigiar a posse dele levando todos os meus secretários. Ele ficou sensibilizado. Depois dali, nos aproximamos naturalmente até a filiação”, revela Kassab.

A ARTICULAÇÃO DE KASSAB LEVOU HENRIQUE
MEIRELLES AO PSD. O EX-PRESIDENTE DO BANCO
CENTRAL É UM DOS TRUNFOS ELEITORAIS DO PARTIDO

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DUPLA AFINADA
Meirelles (à esq.) vai redigir o programa econômico do novo partido de Kassab

Embora considere “natural” a projeção política que a criação do PSD lhe conferiu, Kassab costuma obedecer à máxima de um dos seus padrinhos políticos, José Serra, a quem sucedeu em 2006 quando este deixou a prefeitura para concorrer ao governo de São Paulo. Serra costuma dizer que, para administrar a cidade, o prefeito deve atuar como um síndico. Na visão de Serra, eventuais incursões políticas costumam ser mal interpretadas pela população.“Não me afastei um segundo sequer da cidade”, faz questão de repetir Kassab. 

Aos 51 anos, solteiro e sem filhos, Kassab, de fato, administra a cidade quase em tempo integral. Desde que virou prefeito, passou a acordar três horas mais cedo, por volta das 5h. Nunca mais frequentou cinemas e dificilmente arranja tempo para ler um livro ou ir a um estádio de futebol. Kassab é são-paulino roxo. “Não estou lendo nada. Só relatórios sobre a cidade”, diz o prefeito, que é formado em engenharia civil e economia. Para a família, ele dedica os domingos. “Almoçamos juntos. É uma tradição desde criança.” Para aguentar o batente, enquanto lê os jornais do dia, o prefeito paulistano faz meia hora de esteira. “Velocidade sete. Bem low profile.” Na primeira hora da manhã, o celular já tocou pelo menos umas cinco vezes. A propósito, o toque do aparelho preserva o jingle “sorria, meu bem, sorria” da campanha vitoriosa de 2008. No café, o prefeito já está despachando com secretários, rotina que segue até a tarde, quando participa de visitas externas. “À noite, tento agendar eventos. Sigo estritamente uma rotina de prefeito”, reafirma.

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EM FAMÍLIA
Kassab (no colo da mãe) preserva até hoje os almoços dominicais com os pais e irmãos

A prefeitura, no entanto, tende a ser apenas mais um capítulo da sua trajetória. Kassab pode se candidatar a governador de São Paulo ou a senador, na eleição de 2014. Projetando ainda mais para o futuro, o que se descortina no horizonte da política nacional é um reorganizado xadrez partidário para dar sustentação a uma nova geração de líderes políticos. Indiscutivelmente, Kassab encontra-se na linha de frente desse grupo.