img6.jpg

Na história do esporte brasileiro, poucos atletas conseguiram a façanha de se tornar estrelas internacionais. Se jogadores de futebol forem excluídos dessa lista, será difícil fazer uma relação com mais de meia dúzia de representantes. Talvez menos. Por isso mesmo, é de espantar a admiração planetária conquistada pelo lutador paulistano Anderson Silva, 36 anos, o multicampeão do UFC (Ultimate Fighting Championship), evento esportivo mais concorrido da atualidade. Basta dar uma olhada no que dizem algumas celebridades globais para ter a dimensão de sua popularidade. “Ele é o cara que eu sempre quis ser, imbatível numa briga mano a mano”, disse o comediante Jim Carrey. Para a loira Pamela Anderson, a eterna salva-vidas da série “Baywatch” (conhecida como SOS Malibu no Brasil), Silva “faz a gente ter vontade de aprender a lutar”. O ator Steven Seagal, mestre de diversas artes marciais, afirmou que “nunca viu alguém fazer um soco parecer um gesto tão natural”. No Japão, Silva não pode sair às ruas sem ser atacado por uma avalanche de fãs e no Brasil ele passou a ser ovacionado até em estádios de futebol. “É difícil acreditar em tudo o que aconteceu em minha vida”, diz o lutador, escolhido por ISTOÉ o Brasileiro do Ano no Esporte. “Tudo isso que conquistei é obra de muito trabalho.”

img5.jpg

ig4.jpg
TODAS AS FACES
O lutador feroz (à direita, golpe contra o japonês Yushin Okami) é também um pai e marido amoroso

Se havia alguma dúvida a respeito da força de sua imagem, ela certamente foi dissipada na noite de sábado, 27 de agosto, quando voltou a brilhar dentro do octógono do UFC, desta vez instalado no Rio de Janeiro. Ele nocauteou o japonês Yushin Okami e defendeu o cinturão dos médios pela nona vez consecutiva, recorde absoluto na competição. “Parecia final de Copa do Mundo”, diz Ronaldo Fenômeno, que não por acaso passou a agenciar a carreira de Silva por meio de sua empresa 9ine. Transmitida ao vivo pela Rede TV!, a luta levou a emissora a uma inédita liderança de audiência, foi manchete de todos os jornais importantes do Brasil e ganhou destaque em várias emissoras estrangeiras. O sucesso do evento foi tão grande que a Rede Globo, antes refratária ao esporte, comprou os direitos de transmissão de lutas futuras do UFC – o que só fez aumentar a exposição do lutador brasileiro. Atualmente, é impossível não assistir a televisão sem se deparar com a figura musculosa e de voz estranhamente fina de Silva. Em termos de exposição publicitária, ele só perde para Neymar, com a diferença de que o craque do Santos pratica um esporte que atrai milhões de fãs a mais do que as lutas de UFC. Mas até no ambiente do futebol Silva é idolatrado – como demonstraram os torcedores do Corinthians, seu time de coração, que gritaram a plenos pulmões o nome do lutador brasileiro.

Faixa preta em jiu-jítsu, Silva não perde uma luta há cinco anos. Mais incrível ainda: ele jamais deixou a arena de oito lados com lesões sérias. “Nunca sofri um arranhão”, diz. “Já me machuquei jogando futebol, vôlei e até pulando corda. Lutando, nunca.” Na carreira, contabiliza 31 triunfos e apenas quatro derrotas. Para os organizadores do vale-tudo, modalidade que surgiu no Brasil e que permite o uso de golpes de todas as artes marciais para liquidar o oponente, Silva é o maior lutador de todos os tempos. Resultado: seu cachê, de R$ 2,5 milhões por luta, é o mais alto da categoria e tende a aumentar na mesma proporção em que sua popularidade cresce. A fúria de Silva para desferir socos, joelhadas, pontapés, chaves de braço e cotoveladas mexe com os instintos mais primários dos espectadores. Vê-lo lutar – e humilhar – rivais muitas vezes mais fortes é algo que fica gravado na mente dos fãs do esporte. “É que eu torno fácil uma coisa que para a maioria das pessoas parece muito difícil. ”

img3.jpg
ADMIRAÇÃO
O ator e mestre em artes marciais Steven Seagal:
"Nunca vi alguém fazer um soco parecer um gesto tão natural"

De onde vem o talento para destroçar adversários? Silva é certamente um dos lutadores mais técnicos do UFC, com o amplo domínio de artes como o jiu-jítsu e o boxe tailandês. Mas habilidade e energia física não são suficientes para fazer sucesso no octógono. Ele tem uma força mental superior à maioria de seus rivais. “Muitas vezes, ao prestar atenção nos olhos do adversário eu percebo que ele entrou derrotado”, diz. O olhar altivo e confiante se tornou uma de suas marcas registradas. Essa qualidade, diga-se, é herança de família. Como os pais não tinham condições financeiras de mantê-lo, Silva foi criado por um tio que era policial e que fazia o tipo linha-dura. “Ele me ganhava no olhar”, diz o lutador. “Sempre que me encarava de um certo jeito, eu sabia que a coisa ia ficar feia para o meu lado.” Quando entra na arena, instantes antes de começar a luta, ele jamais vira o rosto para o lado, por mais que seja ovacionado – ou, às vezes, provocado – pela plateia. Seu foco naquele momento está inteiramente voltado para o oponente.

Silva nem sempre foi bom de briga. Na infância e adolescência, mais apanhou do que bateu. “Eu fazia o tipo folgado, que não levava desaforo para casa”, diz. Por folgado, leia-se atear fogo no quarto de casa e jogar pedra nas pessoas, como fez algumas vezes. “Até os 16 anos, briguei bastante, mas, como era magrelinho, sofria nas mãos dos mais velhos.” A disposição para encrencas diminuiu quando descobriu as artes marciais. “Fiquei mais tranquilo, sem aquela fissura de sair arranjando confusão por aí.” Apesar da resistência dos tios – de quem, aliás, fala com enorme carinho –, ele foi ganhando gosto pelos treinos até ficar claro que o menino magrelo do passado estava virando um gigante capaz de derrotar qualquer um.

Se as artes marciais tornaram o adolescente brigão mais equilibrado, o espírito marrento resistiu. Nos Estados Unidos, adotou o apelido “The Spider” e já posou para fotografias como se fosse o Homem-Aranha. “Gosto dele porque é o único herói que precisa trabalhar para sobreviver.” Silva é um provocador por natureza, habilidade que usa para atrair holofotes para as lutas. Em fevereiro de 2011, na pesagem antes do duelo contra o também brasileiro Vitor Belfort, Silva apareceu usando uma máscara. Era uma resposta a uma declaração de Belfort, que o havia chamado de “mascarado.” Em outra ocasião, provocou o compatriota Demian Maia enquanto o enchia de socos e pontapés. “Vambora, levanta, playboy!”, gritou Silva para toda a plateia do octógono ouvir.

NA ADOLESCÊNCIA, ERA ENCRENQUEIRO. A DISPOSIÇÃO PARA
CONFUSÕES SÓ DIMINUIU QUANDO DESCOBRIU AS ARTES MARCIAIS

img2.jpg
CELEBRIDADE
Com o cantor Justin Bieber e sendo ovacionado pela torcida
do Corinthians: ídolo nos Estados Unidos e no Brasil

img1.jpg

No ambiente familiar, pouco lembra o lutador agressivo das arenas. É amoroso com a mulher e os cinco filhos e preza os laços familiares. Ele nasceu em São Paulo, mas aos 4 anos foi morar com os tios em Curitiba. “Em casa, meus irmãos de criação eram todos militares, meu tio era policial”, diz. “Tive uma educação rígida.” Silva aprendeu desde cedo a dar valor à labuta. Trabalhou sete anos como atendente de uma lanchonete McDonald’s, enquanto nas horas de folga treinava boxe tailandês. Apesar de milionário, não esquece os tempos difíceis. Tem duas academias para crianças carentes em Curitiba e vez ou outra aparece por lá para dar aulas de jiu-jítsu. Ele só deixa de ser humilde quando o assunto é UFC. Existe alguém que gostaria de vencer no ringue? “Tem sim: um clone meu”, diz. “Essa seria a luta do século.” 

img.jpg
FAMÍLIA
Com a mulher, Dayane Silva, e os filhos: em casa, o lutador
é um piadista nato que adora jogar videogame e ler gibis