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BASTIDORES
Boni em seu escritório, no Rio: brigas na cúpula da Globo eram piores que luta livre

A aguardada autobiografia de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, homem que mandou e desmandou na Rede Globo entre os anos 1967 e 1998, frustrará os que esperam relatos explosivos de bastidores da emissora.
Já na introdução de “O Livro do Boni” (Casa da Palavra), ele avisa: “Não esperem nenhuma informação bombástica.”

O executivo de 76 anos ainda é ligado à Rede Globo, como um dos donos da afiliada Rede Vanguarda, no interior paulista, e seu filho Boninho trabalha na casa. Ele relata desavenças com o colega Walter Clark e os apresentadores Chacrinha e Jô Soares – mas, no final, fala bem de todos, inclusive desses com quem se desentendeu. Boni também dá sua versão sobre a posição da Globo diante da ditadura militar e da redemocratização do País. E, nesses casos, surpreende.

No balanço que faz da relação com o empresário Roberto Marinho (1904-2003), ele afirma jamais ter sofrido interferências em seu trabalho. Logo no início da parceria, em 1967, Marinho se assustou com o visual hippie do recém-contratado e de sua equipe. “O que faz esse pessoal de pijama andando pela emissora?”, indagou o patrão, ao ver Daniel Filho, futuro diretor, de bermuda nos estúdios. “Tenha paciência. Vai dar certo.”, respondeu Boni. O maior atrito entre eles deu-se em 1975 na insistência em levar ao ar a novela “Roque Santeiro”. Marinho não queria bater de frente com os militares que estavam no poder, e assim foi feito. A novela só foi exibida 10 anos depois.

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VERSÃO PESSOAL
Em seu livro, Boni afirma que a Rede Globo foi “o veículo mais censurado pela ditadura militar”

Boni nega que tenha sido o único mentor do chamado “padrão Globo de qualidade”, mas reconhece que encontrou um ambiente “amador” quando chegou ao então Canal 4 carioca. Os estúdios do Jardim Botânico não tinham dimensões apropriadas, a verba para produções era pequena e a equipe formava-se basicamente de “pessoas de confiança” de Marinho. “Na Globo, o verdadeiro telecatch (luta livre) não acontecia no ar, mas sim nas reuniões”, ironiza o autor, comparando as brigas na cúpula ao maior sucesso de audiência. Alguns desafetos tombaram ao colidir com ele, caso do apresentador Chacrinha, em 1972. Para enfrentar a concorrência de Flávio Cavalcanti, queria voltar ao tempo em que promovia concursos esquisitos. Boni vetou e o Velho Guerreiro teve de mudar de emissora. Nos anos 1980, a insistência de
Jô Soares em criar um programa de entrevistas também gerou embate e o apresentador foi para o SBT, o que o executivo considerou uma “traição”. Já a saída de Walter Clark em 1977 foi totalmente atribuída a Roberto Marinho, que não aprovava o suposto fato de ele beber muito. Boni, contudo, não nega os desentendimentos com o colega: “Tinha alergia à minha forma objetiva de trabalhar.”

A censura é vista por ele de forma peculiar. Boni avalia que a Globo foi “o veículo mais censurado pela ditadura militar” e cita como exemplo a estreia do “Jornal Nacional”, em 1969, impedido de exibir uma reportagem sobre a doença do então presidente Arthur da Costa e Silva. Numa das edições do Festival Internacional da Canção, a maioria dos inscritos foi limada pelos censores. A ditadura criou birra até com o constante uso do tratamento “coroné” na novela “O Bem Amado”.

O executivo admite que a Globo sucumbiu às pressões para tirar do ar a humorista Dercy Gonçalves, mas nega que tenha acontecido o mesmo com a atriz Leila Diniz. Reconhece também a mão de ferro dos militares na tentativa de omitir o movimento das Diretas Já, em 1983. Não viu, porém, participação da casa no escândalo do Proconsult, quando houve tentativa de impedir a vitória de Leonel Brizola na eleição estadual fluminense em 1982. “A Globo só cedeu quando foi ameaçada de perder as concessões. O Roberto Marinho acreditava na democracia”, disse o autor à ISTOÉ.

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