Corredor da Indy, o piloto brasileiro diz que não é o talento que prevalece na F-1 e conta como enfrentou a acusação de sonegação nos EUA

img.jpg
PROCESSADO NOS EUA
"Fiquei anos com um nó no estômago, sem saber o
que ia acontecer. Mentalmente foi muito difícil"
, diz ele

Vencer está no destino do piloto Hélio Castroneves, 35 anos. É o brasileiro mais bem-sucedido na Fórmula Indy, foi tricampeão da prova de automobilismo mais tradicional dos Estados Unidos, as 500 Milhas de Indianápolis, e ganhou até um improvável – e badalado – concurso de dança em 2007. Uma de suas maiores batalhas, porém, se deu fora das pistas. Entre 2005 e 2009 enfrentou uma grave acusação de sonegação de impostos nos EUA e, contra a maioria das expectativas, foi absolvido. Paulistano criado em Ribeirão Preto, ele mora há 12 anos em Miami e nem a chegada da filha, Mikaella, hoje com 1 ano e 11 meses, o fez desacelerar. Seu grande objetivo, hoje, é ser campeão da Indy. “Faz muito tempo que o Brasil não tem um título importante no automobilismo”, diz ele, que está lançando a autobiografia “A Caminho da Vitória”. 

img1.jpg
"Nelsinho Piquet foi vítima da politicagem da F-1
e de um empresário experiente, o Flavio Briatore"

img2.jpg
"O Randy (Bernard, CEO da Indy), por inexperiência,
deixou muita coisa acontecer, como validar pistas
que não tinham condições de receber a Indy"

ISTOÉ

Gostaria de correr na F-1?
 

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail
Hélio Castroneves

Tive oportunidade, em 2002, de andar de F-1. Testei um Toyota e achei o carro fantástico, muito mais leve e potente que um Indy. Em curtas distâncias, é mais rápido e arisco que o da Indy, que é mais pesado e tem menos potência, mas em longas distâncias chega a velocidades que o F-1 não atinge. No circuito oval a Indy chega a 370 km/h. Um F-1 não passa dos 338 km/h, mas faz curvas mais rápido. Senti uma força lateral muito mais forte no F-1 do que na Indy. Lembro que saí do teste com o pescoço do tamanho de um elefante. Não esperava essa força lateral. Outra diferença é a parte política da F-1.
 

ISTOÉ

Que parte política?
 

Hélio Castroneves

Todo esporte tem política, mas na F-1 ela é mais forte do que vejo na Indy. 

ISTOÉ

Deu para sentir no teste?
 

Hélio Castroneves

Sem dúvida. Quando fiz o teste, em maio de 2002, uma das vagas na Toyota ainda estava em aberto. Estávamos eu, o brasileiro Christiano da Matta e um japonês na disputa. Durante o teste, um dos diretores da equipe, o Ange Pasquali, veio me dizer que não esperava que meu teste fosse tão bom e era uma pena que o assento já estivesse acertado. Foi uma surpresa. Como assim acertado se até o dia anterior não tinha nada assinado? “Assinamos hoje de manhã”, ele disse. Achei estranho. Por que me falar aquilo durante o teste? Tentei não ligar e foquei na pilotagem. Andei superbem. Rodei muito mais rápido que o piloto de testes oficial da Toyota, que já estava com o carro de 2003. Quando parei, os mecânicos aplaudiram. Bati o recorde da pista.

ISTOÉ


Então não ficar com a vaga deve ter sido ainda mais frustrante. 

Hélio Castroneves

Pelo contrário. Consegui mais do que esperava. Recebi e-mails de mecânicos da Toyota felizes por ver que o carro deles era bom na mão de um bom piloto. Não me frustrei. 

ISTOÉ

Você chegou a receber alguma outra proposta da categoria?
 

Hélio Castroneves

Em 2003 para a temporada 2004, da Toyota de novo. Mas eles disseram que eu teria que começar pela Minardi, como o (Fernando) Alonso, aquela coisa toda.
 

ISTOÉ

Que coisa? 

Hélio Castroneves

O jogo político. Tinha que sair de uma superequipe na Indy, a Penske, para ir para uma Minardi na F-1. Ia sair da certeza para incerteza, não quis. Percebi que a F-1 não era para mim. Hoje não tenho arrependimentos ou frustrações. Sei que guiei o F-1 bem, que ele serviu como uma luva para mim, mas que a política fala mais alto. 

ISTOÉ


Isso não o chateou? 

Hélio Castroneves

Soube encarar a situação de forma positiva. Se eu tivesse feito politicagem na F-1, teria grandes chances de estar brigando lá como brigo hoje na Indy. E hoje a Indy é muito mais competitiva que a F-1. Na Indy, os carros são iguais, têm os mesmos pneus, motores, câmbios, é tudo igual. Só mudam a estratégia e a pilotagem. 

ISTOÉ

Como avalia a polêmica na F-1 envolvendo o Nelsinho Piquet, que por ordem da equipe bateu o carro para prejudicar outro piloto?
 

Hélio Castroneves

Nós pilotos temos chefes como todo mundo. E às vezes o chefe pede para você vestir a camisa do time. O que fazer? Vários fatores confluíram para colocar o Nelsinho naquela situação. Ele foi vítima da politicagem da F-1. Foi vítima também de um empresário experiente, o Flavio Briatore, que, aliás, tem muitos interesses na categoria, já que representa pilotos como Fernando Alonso (Ferrari) e Mark Weber (Red Bull-Renault). No fim, tudo aconteceu de forma a beneficiar Briatore. O Nelsinho estava no lugar errado na hora errada. Hoje ele tenta carreira aqui nos EUA e está indo superbem. Esse tipo de situação mostra quanto a política, infelizmente, é forte na F-1.
 

ISTOÉ

Na Indy não tem isso?
 

Hélio Castroneves

Estou na Indy há 12 anos, na Penske, e o Roger (Penske) nunca teve esse tipo de atitude. Jogo de equipe até tem. Mas não como na F-1. Aqui temos maneiras de ajudar um colega. Afinal, a equipe, sendo campeã, ganha bônus dos patrocinadores e o mantém como piloto. Isso sim é jogo de equipe. Denegrir a imagem não. 

ISTOÉ

Qual o impacto da morte do inglês Dan Wheldon, a última vítima fatal da Indy, na etapa de Las Vegas, em outubro? 

Hélio Castroneves

Fiquei em choque, nervoso e bravo. Bravo porque dias antes, depois do treino, me encontrei com o piloto Alex Tagliani e con­cluímos que a corrida, nos moldes em que seria disputada, estava muito perigosa. As velocidades atingidas e o estilo de direção, com muitos carros emparelhados nas curvas, nos assustavam. Chegamos a cogitar a convocação de uma reunião de pilotos. Mas desistimos. Sabíamos que falaríamos com as paredes. Talvez devêssemos ter insistido. Aí o Dan sofreu o acidente. A corrida foi interrompida, soubemos que ele morreu, não havia clima para correr, mas teve gente que quis continuar.
 

ISTOÉ

Quem? 

Hélio Castroneves

Não posso dizer, mas fiquei muito chateado com esses pilotos. Mais da metade queria voltar a correr. Ninguém ali ia correr 100% concentrado. Finalmente, o Randy (Bernard, CEO da Indy) pôs um fim no assunto e decidiu que não correríamos. Foi a primeira decisão forte e certa que ele tomou.
 

ISTOÉ

Ele não tem sido um bom presidente?
 

Hélio Castroneves

Por inexperiência, ele deixou muita coisa acontecer. Coisas como validar pistas que, a meu ver, não tinham condições de receber a Indy. Mas na etapa de Las Vegas ele foi um verdadeiro líder ao anunciar a interrupção da corrida.
 

ISTOÉ

Como continuar a correr após a morte de um companheiro?
 

Hélio Castroneves

Correr é o meu trabalho. Perder um colega não é fácil. Mas automobilismo é um esporte de risco. Posso parecer frio ao dizer isso, mas quando algo de ruim acontece comigo, o lugar mais natural e tranquilo em que posso estar, onde me sinto mais confortável para lidar com o problema, é no meu carro de corrida. Esse tipo de acidente precisa acabar. Como? As pessoas qualificadas para encontrar uma solução são os engenheiros.
 

ISTOÉ

Como atravessou o período da acusação de sonegação de impostos?
 

Hélio Castroneves

Foi uma agonia. Escrevi o livro, em parte, para contar essa história. Começou em 2005 e só terminou em 2009. Fiquei anos com um nó no estômago, sem saber o que ia acontecer. Mentalmente foi muito difícil.  

ISTOÉ

Chegou a tomar remédios?
 

Hélio Castroneves

Não precisei. O que me acalmava era a minha família, meus amigos, meu trabalho e Deus. Embora tenha havido momentos em que questionei Deus. Mas nunca deixei de ter fé. E a prova de que eu estava certo veio não só com a absolvição, mas com a minha terceira vitória nas 500 Milhas de Indianápolis, em 2009. Corri com uma cicatriz aberta e ganhei. 

ISTOÉ

O que mais temia?
 

Hélio Castroneves

Que tirassem a corrida de mim. Não me deixar correr seria tirar o ar que eu respiro. Não poder correr era e ainda é o meu maior medo. Cheguei a pensar, bom, se eu for para a cadeia, em dez anos volto e dou a volta por cima. Durante o processo, minha cabeça continuava na corrida. Até hoje parar de correr é meu maior medo. Maior até que o medo de bater.
 

ISTOÉ

É verdade que seu pai faliu para bancar sua carreira?
 

Hélio Castroneves

Aconteceu sim, em 1996. Ele teve de fechar a empresa da família. Eu tinha 20 anos. Minha irmã deixou de ser bailarina do Teatro Municipal de São Paulo e voltou para Ribeirão Preto para tentar salvar alguma coisa. Mas quebramos. Tivemos de vender tudo. Teve gente que foi buscar o carro da minha mãe, que meu pai tinha colocado como garantia, em casa.
 

ISTOÉ

A responsabilidade pesou?
 

Hélio Castroneves

Eu me questionei. Em 1996 eu também não estava em boa fase. Batia muito na Indy Lights (categoria de base). Cheguei a ligar para casa e disse que desistiria, que voltaria ao Brasil. Para minha surpresa, minha família disse para eu continuar. O sonho não era mais só meu, mas de todos nós. Quase ganhei o campeonato. Fiquei três pontos atrás do primeiro colocado e venci três provas.
 

ISTOÉ

Depois de ter sua filha, Mikaella, arrisca-se menos na pista?
 

Hélio Castroneves

Como disse, correr é meu trabalho. Não penso em outras coisas quando estou fazendo o que amo. Não penso na minha filha nem em mim. Só penso em vencer. Quando ganho, porém, gosto de comemorar com ela. Sempre que pode, ela me acompanha nas viagens. No ano passado, ela chegou a subir em um pódio comigo. 

ISTOÉ

Por que resolveu participar do “Dancing with the Stars” em 2007?
 

Hélio Castroneves

Já corria a acusação de sonegação de impostos. Os advogados disseram que não era uma boa ideia, que ia me expor demais. Achei que era uma oportunidade para mostrar às pessoas que eu não era o monstro que muitos descreviam. Sou um cara legal, bicho! Conversei com os patrocinadores, eles gostaram da ideia e fui. Inicialmente, meu objetivo era não ser o primeiro eliminado. Acabei ganhando.
 

ISTOÉ

Seu noivado acabou durante o programa. Culpa da química com a parceira de dança?
 

Hélio Castroneves

Houve um flerte entre mim e a Julianne Hough, minha parceira, mas não rolou nada. Terminei, sim, na época da competição, o meu noivado. Mas não foi por causa dela. Na mesma época ela também terminou o noivado dela, mas também não foi por minha causa. Sei que é difícil acreditar, mas realmente não aconteceu nada.
 

ISTOÉ

Ainda dança? 

Hélio Castroneves

Passei os últimos quatro anos sem dançar, mas no início do mês, durante um evento no Texas, dancei, dessa vez para duas mil pessoas. Levei uma russa que participou da mesma edição que eu do “Dancing with the Stars” para uma breve apresentação. Me diverti bastante. 


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias