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MONTAGEM: EDI EDSON SOBRE FOTOS DIVULGAÇÃO PETROBRAS; SHUTTERSTOCK; ROBERTO CASTRO/AG. ISTOÉ

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PALANQUE Lula fez festa para lançar marco regulatório

Uma nova chance de o Brasil se converter em potência mundial foi oficializada na segunda-feira 31. Diante de uma plateia de três mil pessoas no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, em Brasília, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou o marco regulatório do pré-sal. Trata-se de um conjunto de leis que disciplinará como o País vai lidar com um tesouro negro de 14 bilhões de barris de petróleo descoberto a sete mil metros de profundidade. Essa riqueza é capaz de lançar a economia brasileira para um novo patamar, com a mul tiplicação de empregos, de investimentos e reflexos diretos no PIB.

O País tem a possibilidade de ganhar um status de Primeiro Mundo, sentando- se à mesa dos grandes produtores de petróleo. Depois de identificada toda a extensão do pré-sal, o Brasil acumulará reservas de petróleo superiores a 90 bilhões de barris. Vai se equiparar aos Emirados Árabes e ao Kuwait, deixando na poeira a Venezuela de Hugo Chávez. "O pré-sal é uma dádiva de Deus", comemorou o presidente.

Para transformar esse tesouro em riqueza para todos os brasileiros que necessitam de melhoria na educação, saúde, infraestrutura e distribuição de renda, o País precisa cruzar cinco fronteiras. A primeira é a geográfica, pois o pré-sal está nos limites da plataforma marítima, a cerca de 300 quilômetros da costa. A segunda, geológica, em razão da profundidade em que se encontra. Outra fronteira é tecnológica, devido aos complexos sistemas necessários para a extração. O País já deu passos significativos para ultrapassar esses três limites (leia quadro na pág. 40).

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OPORTUNIDADE Santoro já está empregado antes de se formar

As outras duas fronteiras, a econômica e a política, o Brasil começa a cruzar a partir do marco regulatório. Nesse sentido, Lula não exagera ao afirmar que o dia 31 de agosto de 2009 entrará para a história como "um novo Dia da Independência para o Brasil". Mas isso só se tornará uma realidade se o País for capaz de não incorrer nos erros do passado. Ao longo dos séculos, o País viveu ciclos extrativistas de caráter predatório. Esvaíram- se fortunas incalculáveis em pau-brasil, ouro, pedras preciosas, cana-de-açúcar, café e borracha.

É por isso que o momento exige um nacionalismo diferenciado. As reservas do pré-sal devem ser mantidas nas mãos de brasileiros. "O Estado precisa ter o controle do petróleo para fazer políticas sociais. Se o governo não fizer, quem vai fazer? A Shell, a Texaco, a Chevron?", questiona o professor Luiz Pinguelli Rosa, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). As oportunidades despertaram o interesse de todo o mundo. É evidente que o País precisa manter o relacionamento com o mercado internacional e fazer esforços para atrair o capital estrangeiro. Mas é importante também, neste caso, que o Estado brasileiro não abra mão de exercer o controle sobre suas riquezas. A exploração do pré-sal é tarefa de um país e não de um governo. "É como se houvesse uma mão invisível – não a do mercado, da qual já falaram tanto, mas outra, bem mais sábia e permanente, a mão do povo, tecendo nosso destino e construindo nosso futuro", disse Lula.

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VENCEDOR Gabrielli garantiu controle do pré-sal para a Petrobras

O marco regulatório prevê a entrada de investimentos privados e estrangeiros, desde que em parceria com a Petrobras. "Vamos continuar no Brasil. Estou satisfeito com o marco regulatório", garante o presidente da petrolífera portuguesa Galp, Manuel Ferreira de Oliveira. "As regras devem estar associadas ao risco, que hoje caiu abruptamente", diz ele. A Galp é sócia da Petrobras em seis projetos do pré-sal. Caso os textos enviados ao Congresso Nacional sejam aprovados sem alterações, a Petrobras se tornará a operadora de todos os blocos de exploração do petróleo do pré-sal, com participação de no mínimo 30%. A participação privada será bem-vinda, mas os investidores terão de partilhar sua produção com a estatal brasileira. Por mais que haja críticas, dos 24 grandes países com grandes reservas, 16 adotam essa forma de partilha.

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Do ponto de vista do investidor estrangeiro, há a certeza de que está nascendo um novo e poderoso player mundial. Nas estimativas do meio acadêmico, o País investirá cerca de US$ 600 bilhões nos próximos 30 anos. "Haverá um impacto enorme na economia brasileira", afirma o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli. Para explorar as reservas, será necessário acionar a plena carga a indústria naval, a indústria metalúrgica, a indústria petroquímica e a construção civil, além de toda a cadeia de fornecedores da própria indústria petrolífera, como a produção de sistemas de alta tecnologia. Serão gerados mais de 250 mil empregos diretos e mais de 500 mil empregos indiretos.

Faz parte do marco regulatório a criação de uma nova estatal, a Petro-Sal, e de um fundo social que funcionará como uma megapoupança, alimentada por um percentual da arrecadação do pré-sal, para investimentos em educação, cultura, meio ambiente, erradicação da pobreza, desenvolvimento e inovação tecnológica. Se o compromisso for cumprido, o Estado estará efetivamente assegurando que o tesouro do pré-sal seja compartilhado por todos os brasileiros e o Brasil se tornará a sonhada potência mundial. O problema é se os governantes caírem na tentação de desviar esses recursos para inchar a máquina pública e a mordomia. "Temos que administrar bem essa riqueza", pondera Alexandre Szklo, professor de planejamento energético da UFRJ. "Estou otimista, mas com um certo frio na espinha."

A Petro-Sal nascerá com 130 funcionários e exercerá em boa parte as funções da Agência Nacional do Petróleo. Um dos maiores especialistas brasileiros em energia, o economista Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), discorda da criação da estatal: "Não é necessária, vai acabar gerando mais custos do que benefícios." Mas a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, acredita que a Petro-Sal vai diminuir "a assimetria de informações entre o governo e as empresas". Em relação ao fundo social, não há polêmica. Sua aprovação no Congresso certamente será pacífica.

Há, finalmente, o projeto de lei que garante novos recursos à Petrobras. A União cederá à estatal, sem licitação, valor equivalente a cinco bilhões de barris de petróleo, em títulos da dívida pública. Em outro esforço de capitalização, a Petrobras fará uma emissão de ações e a União – que detém 32,21% do capital da estatal, com 55,71% das ações com direito a voto – subscreverá sua parte. Nas contas de Gabrielli, a Petrobras investirá US$ 28,6 bilhões no pré-sal nos próximos quatro anos. Esse valor deve quadruplicar até 2020, quando a estatal espera atingir a condição de maior companhia de petróleo do mundo.

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Antes mesmo da aprovação do marco regulatório, já há impacto do pré

-sal na economia. A Sampling Planejamento, que trabalha com consultoria e treinamento em segurança offshore, abriu mais dois escritórios, um em Duque de Caxias (RJ) e outro em Vitória (ES). A Jevin, especializada na venda de equipamentos para telecomunicações offshore, contratou funcionários para atender novos clientes. O mercado abre espaço para jovens talentos, como o estudante de engenharia mecânica, Gabriel Santoro, 23 anos. Quando viu no mural da faculdade um aviso de seleção de estágio para a FMC Technologies, parceira da Petrobras, não hesitou e mandou o currículo. "Hoje faço parte da equipe que desenvolve a fabricação do primeiro sistema de separação submarina água-óleo a ser usado em águas profundas no mundo", diz.

Às vésperas de uma eleição presidencial, a oposição criticou a forma como o presidente Lula tratou o anúncio do marco regulatório do pré-sal. Muitos trataram o evento como eleitoreiro. É difícil, porém, imaginar algum político que com este capital em mãos não faça uso político dele.

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As críticas, no entanto, são mais explicadas pelo calendário eleitoral do que pela forma como o governo está conduzindo o présal. O governador paulista José Serra (PSDB), por exemplo, um dos principais adversários de Lula em 2010, concorda com o modelo de partilha adotado pelo governo. Nos bastidores tem agido para que a bancada paulista no Congresso vote a favor do marco regulatório.

Colaboraram: Maíra Magro e Wilson Aquino (RJ)