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NA POLÍCIA
Os estudantes passaram o dia na delegacia até a fiança ser paga.
No topo, João Machado, que entrou no movimento estudantil na
escola. Acima, Rafael Alves, um dos líderes dos radicais.
Abaixo, Paulinho In Fluxus levanta o livro do filósofo Foucault

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Passava das 20h da terça-feira 8 quando João Machado, 20 anos, estudante de ciências sociais, dava seu primeiro sorriso do dia. Os momentos de descontração contrastavam com os de tensão. “Minha mãe quer me matar”, disse ele, ao desligar o celular. O desabafo, feito a um companheiro de ocupação do prédio da reitoria da Universidade de São Paulo, soava mais como uma confissão de adolescente do que como discurso de quem pensa em construir a tomada de poder. “Ela só sabe xingar, nem consegue ver o momento histórico”, lamentava. De classe média paulista, ele estreou no movimento estudantil há cinco anos no grêmio da Escola Comunitária de Campinas, uma instituição privada que, nas suas palavras, o “ensinou a questionar o sistema”.

Assim como Machado, ao deixarem à força a reitoria, os radicais sem rosto da semana anterior, que invadiram o prédio encapuzados, ganharam feições, nomes e história. Um raio X do Termo Circunstanciado – espécie de Boletim de Ocorrência mais leve – lavrado durante o dia todo na delegacia revela quem eram os manifestantes da USP. Segundo os policiais, entre os 72 detidos, 18 não tinham qualquer vínculo com a universidade. Um deles era da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, outro da Universidade Federal da Paraíba, e havia até um estudante vindo do Chile, país onde ocorrem manifestações estudantis há meses. Os dados colhidos nos depoimentos ajudam a traduzir também o perfil dos jovens. Havia auxiliar de escritório, artesão, analista de laboratório, professores, iluminador e até barman. Boa parte deles não tinha os R$ 545 da fiança. Foi preciso que o Sindicato dos Servidores da USP passasse o chapéu entre os apoiadores do movimento para juntar os R$ 39 mil. “Esse dinheiro foi arrecadado por mais de 500 entidades que apoiam o movimento estudantil”, disse a advogada Eliana Lucia Ferreira, que entregou a soma na delegacia.

Nas quase 24 horas em que permaneceram no ônibus diante da DP, vários estudantes foram visitados pelos pais, alguns dos quais ex-militantes que lutaram pela democracia quando o Brasil ainda era uma ditadura. “Vacilona, em 15 anos de militância nunca fui preso, em quatro meses de movimento estudantil você já caiu em cana”, dizia o pai a uma das alunas detidas. Apesar do clima de exaustão, ainda havia espaço para palavras de ordem. “Essa é uma luta de armas contra livros. Querem impedir ideias com opressão”, gritava o estudante de artes plásticas que se apresenta como Paulinho In Fluxus, 26 anos. Vestido com uma roupa rosa, ao estilo super-herói, ele levantava o livro: “As Palavras e as Coisas”, do filósofo francês Michel Foucault.

Filho de um jornalista, Paulinho cursou o ensino médio na Europa, beneficiado por uma bolsa de estudos de uma escola criada por Nelson Mandela, patrocinada pela Cruz Vermelha. “Nosso erro foi não ter conseguido mostrar para a sociedade que ali não estava um bando de maconheiros lutando por uma causa pessoal”, avalia. O pai, antigo comunista que foi preso no regime militar, foi ver o filho na 91a DP. Lá, não escondia a irritação com a forma pela qual o jovem escolheu fazer política e dizia que, passado este momento difícil, iria deixar de sustentá-lo. Um dos principais líderes dos radicais, o artesão Rafael Alves, 29 anos, matriculado no curso de letras, não recebeu a visita de ninguém. De origem humilde, egresso da escola pública, foi o único dos 20 integrantes da sua família que conseguiu entrar na universidade. Àquela altura da noite, em nada lembrava o homem que resistira à prisão gritando frases como “Abaixo a ditadura” durante a ação da polícia. Parecia vencido pelo cansaço.

A novela, porém, está longe de acabar, pois alguns alunos da USP tentam decretar greve geral. Como pano de fundo de toda a movimentação, está a eleição para o Diretório Central dos Estudantes (DCE), marcada para a próxima semana. Vários grupos de esquerda disputarão o poder. “A ação truculenta da PM acabou reunindo as diversas correntes do movimento estudantil”, diz o diretor do DCE, João Victor Pavesi, que cursa geografia. Os alunos favoráveis à presença da PM se organizam em torno da chapa batizada de Reação, composta, em sua maioria, por alunos das áreas de administração, economia e contabilidade e cursos da engenharia. A luta – pelo poder – continua.

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Colaborou Flávio Costa