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INOVAÇÃO
O cientista Santos, de Minas Gerais, descobriu um composto contra a doença

É fácil entender os prejuízos da hipertensão, doença que acomete 30% da população mundial. Imagine uma mangueira ligada a uma torneira aberta por onde jorra um volume de água maior do que a largura do canal de borracha é capaz de suportar. Ano após ano, a pressão exercida contra as paredes do esguicho vai estragá-lo antes do tempo. É isso o que a pressão alta faz com as artérias por onde o sangue circula para irrigar o corpo. Para conseguir vantagem sobre a enfermidade, os cientistas estão empenhados em achar abordagens inéditas contra a doença. Por isso, o que está vindo por aí são inovações surpreendentes, com novidades como dispositivos e procedimentos para tratar casos até agora sem solução, medicamentos que combinam substâncias e novas estratégias para manter a pressão sob controle. Os recursos renovam o fôlego de quem está engajado nessa batalha. A doença está por trás na maioria dos casos de infarto e acidente vascular cerebral, e permanece uma séria ameaça. “Apenas cerca de 10% dos hipertensos diagnosticados no Brasil estão com a pressão sob controle”, afirma o cardiologista Celso Amodeo, do Hospital do Coração, em São Paulo. “É uma tragédia que precisa ser revertida.”

Uma das novas apostas para recrudescer o controle é uma espécie de marcapasso. O método está sendo avaliado para tratar pessoas com hipertensão resistente, um tipo que não cede ao tratamento. Chamado de Rheos System, o aparelho é colocado sob a pele, um pouco abaixo da clavícula. Ele estimula a atividade dos barorreceptores, estruturas encontradas na carótida responsáveis por enviar ao cérebro sinais de que a pressão está elevada. A partir deste aviso, o órgão inicia uma operação para que ela volte ao normal, enviando sinais para os vasos sanguíneos se dilatarem – o que facilita o fluxo do sangue e a desaceleração dos batimentos cardíacos. Um dos últimos estudos a respeito do desempenho do aparelho foi feito com 265 pacientes com hipertensão resistente tratados em 42 centros médicos americanos e europeus. Os pesquisadores concluíram que o marcapasso reduziu a pressão arterial em 33 mmHg (milímetros de mercúrio). “Ele irá beneficiar um grande número de pacientes”, disse John Bisognano, coordenador do trabalho. Não se sabe ao certo quantos pacientes são hipertensos resistentes, mas estima-se que entre 10 e 15% das pessoas com pressão alta estejam nessa categoria.

Outra esperança é o uso de aparelhos que emitem ondas de alta frequência. A técnica é feita com a inserção de um cateter na virilha para alcançar as artérias renais, que irrigam os rins. Quando chega lá, o cateter dispara as ondas para destruir alguns nervos da região. Esses nervos fazem parte do sistema nervoso simpático, que regula os movimentos involuntários do corpo, como a respiração e o controle da pressão arterial, e conduzem impulsos nervosos aos rins. Com isso, há mais dilatação das artérias e aumento da eliminação de sal e água, reduzindo a pressão. O método está sendo analisado primeiramente na terapia de pacientes com a hipertensão resistente. “Estamos otimistas”, disse o cardiologista Luiz Bortolotto, diretor da Unidade de Hipertensão do Instituto do Coração de São Paulo (InCor), onde a técnica foi usada, há dois meses, em uma paciente. Agora, os cientistas aguardam liberação para usá-la em mais 20 pacientes no começo do ano que vem. Resultados publicados na revista científica “The Lancet” mostraram que 84% de 106 pacientes submetidos ao método alcançaram uma redução significativa da pressão. “Além de baixá-la em cerca de 30 mmHg, esse procedimento tem repercussões positivas no organismo como um todo”, diz o cardiologista Flávio Fuchs, que coordena a Unidade de Hipertensão do Hospital das Clínicas de Porto Alegre (RS), onde o método, também em estudo, já foi aplicado em um paciente.

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O manejo dos medicamentos é outro recurso que está sendo modernizado. Entre as novas abordagens, há algumas bem simples e possíveis de serem adotadas sem custo algum. A recomendação de tomar pelo menos um dos remédios à noite é uma delas. A proposta está embasada em pesquisas. A mais recente foi publicada na última semana no “Journal of The American Society of Nephrology”. Depois de acompanhar as respostas de 661 pacientes ao longo de 5,4 anos, o pesquisador Ramon Hermida, da Universidade de Vigo, na Espanha, constatou que os que ingeriam pelo menos uma medicação na hora de dormir tiveram menor chance de sofrer um evento cardíaco em comparação aos que tomavam pela manhã. É sabido que muitos pacientes sofrem com pressão elevada à noite, o que os deixa mais vulneráveis aos desgastes causados pela hipertensão. “Alguns dos mecanismos que desencadeiam a hipertensão são ativados durante o sono”, disse Hermida à ISTOÉ.

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Os remédios também estão mudando. A novidade são os medicamentos que combinam três substâncias em uma mesma pílula: diurético, bloqueador do sistema renina-angiotensina e bloqueador de cálcio. Até pouco tempo, o que havia era ou drogas com apenas um desses compostos ou com no máximo dois deles. Para o próximo ano, porém, os pacientes contarão com os dois primeiros representantes desse gênero três em um. Um é fabricado pela Daiichi Sankyo; e outro, pela Novartis. Ambos se encontram em fase de aprovação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária. “Remédios desse tipo devem facilitar a adesão ao tratamento”, diz a cardiologista Andréa Araújo Brandão, da Sociedade de Cardiologia do Rio de Janeiro. Em vez de tomar várias pílulas ao dia, o hipertenso fica obrigado a ingerir apenas uma.

O Brasil está contribuindo para a modernização dos medicamentos. Na Universidade Federal de Minas Gerais, o cientista Robson Santos, coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Na­nobiofarmacêutica, compôs um invólucro para aumentar o efeito de uma das drogas mais usadas, a losartana potássica. Em outro estudo, ele identificou – e está testando em humanos – um novo peptídeo (pedaço de proteína) que ajuda a dilatar as artérias, algo desejável no controle da hipertensão. “Ao contrário dos fármacos hoje utiliza­dos, que agem para inibir o aumento da pressão, nosso composto estimula as funções benéficas do sistema”, explica Santos.

 

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Outra mudança foi feita na classificação dos resultados de um exame muito indicado pelos médicos, o mapeamento ambulatorial da pressão arterial. Ele avalia o comportamento da pressão ao longo de 24 horas. De 135 x 85 mmHg, o limite considerado ideal foi reduzido para 130 x 85 mmHg. “Baixamos o limite para aumentar a quantidade de pessoas que precisam ser conscientizadas do seu risco e observadas com mais atenção pelos médicos”, diz o cardiologista Luiz Bortolotto, do InCor. “Temos de ser mais agressivos no combate à doença”, complementa o cardiologista Múcio Oliveira, diretor de Emergência do InCor. A mudança é fruto da análise de vários estudos que mostraram que, acima dessa taxa, a pessoa sentirá as consequências da pressão alta com o avanço dos anos. 

Em várias partes do mundo, registra-se também um encorajamento para medir a pressão em casa. O gesto ajuda a eliminar um fator que altera os resultados, a chamada hipertensão do avental branco. Um estudo publicado recentemente no jornal científico “Hypertension” revelou um dado surpreendente: um terço dos pacientes considerados hipertensos resistentes tinham, na verdade, a hipertensão do avental branco – aquela que sobe no consultório médico e volta ao normal fora dele.

Programas de apoio ao paciente para que ele não desista do tratamento reforçam as estratégias contra a doença. “Medidas simples, como o acompanhamento pelo telefone, pode ajudar nisso”, diz o nefrologista Décio Mion, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Hipertensão. No Canadá, por exemplo, os pesquisadores criaram um plano de apoio por e-mail. O método foi colocado em prática por quatro meses com 387 pacientes e deu muito certo. Eles receberam mensagens que respondiam às suas preocupações, listadas em uma entrevista prévia, com informações, por exemplo, sobre como melhorar a dieta. “O aconselhamento duplicou a redução da pressão”, avaliou Robert Nolan, que liderou o estudo.

 

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Outro aspecto interessante a merecer mais atenção é a relação entre a doença e o sono. Um grande número de trabalhos nessa área procura ampliar o conhecimento a respeito do tema. Recentemente, um estudo da Harvard Medical School mostrou que não só a quantidade, mas a qualidade do sono interfere na pressão. Na pesquisa, foram acompanhados 784 homens saudáveis, durante três anos e meio. Os pesquisadores constataram que os homens que usufruíam de menores quantidades de sono profundo apresentavam maior risco para a enfermidade. Em média, eles tinham 4% de sono profundo em toda a noite, quando, em geral, o índice é de 25%. “As pessoas não estão bem informadas sobre a importância do sono para manter a pressão arterial dentro dos limites”, disse à ISTOÉ Susan Redline, autora da pesquisa.

No Brasil, o cardiologista Lu­ciano Drager, do InCor, conduz um estudo para medir o impacto da apneia – paradas respiratórias que podem durar de um segundo a um minuto – na hipertensão. Em parceria com o Instituto Dante Pazzanese, ele avaliou o sono de 125 pessoas com hipertensão resistente. “Sessenta e quatro por cento manifestavam apneia. É um fator importante”, diz. As paradas respiratórias levariam a uma aceleração do sistema nervoso simpático para suprir a falta de oxigenação, o que interfere nos níveis de pressão. O controle da apneia reduziu em 5 mmHg a pressão.


Se a qualidade ruim da respiração abala a pressão, o inverso é verdadeiro. O emprego de técnicas para tornar a respiração mais lenta e controlada está sendo cada vez mais indicado pelos médicos. Uma das hipóteses é a de que ela reduziria a ação do mesmo sistema nervoso simpático. “Há práticas respiratórias que ajudam a manter a pressão nos níveis indicados”, diz a professora de ioga Luzia Komai Rodriguez, que usa o recurso com as alunas hipertensas do Centro de Estudos de Yoga Narayana, em São Paulo.

A mesa é outra das trincheiras mais valiosas para colocar a pressão nos eixos. E o sal, para os brasileiros, um empecilho sério ao bom controle. O limite de ingestão é de 5 gramas por dia, mas o consumo nacional fica entre 10 e 15 gramas. Uma pesquisa do Instituto Dante Pazzanese revelou que um dos problemas para o consumo excessivo é a falta de informação. “Noventa e três por cento dos 1.294 pacientes estudados não estabeleceram direito a relação entre o sódio e o sal a partir das informações nos rótulos dos produtos. Eles são confusos”, critica o cardiologista Daniel Magnoni, coordenador da pesquisa.

Em outra direção, a medicina está descobrindo novos alimentos aliados. Um estudo das Universidades de East Anglia e Harvard mostrou que as pessoas que comeram grande quantidade de mirtilo uma vez na semana tiveram 8% menos chances de ficar com a pressão alta. Atenta ao poder dessas substâncias, a indústria alimentícia começa a lançar produtos focados no público hipertenso. Na Finlândia, por exemplo, a Value tem uma linha de produtos, a Evolus, contendo um pedaço da proteína do leite, a caseína, que inibe uma enzima envolvida no descontrole da pressão. “Não existem ainda estudos definitivos, mas há evidências claras de que substâncias como a antocianina agem no relaxamento dos vasos sanguíneos”, diz Franco Lajolo, do Departamento de Alimento e Nutrição Experimental da Universidade de São Paulo.

 

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