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PROTESTOS
Manifestantes nas ruas de Nice, cidade próxima a Cannes:
multidões gritam contra a incompetência dos líderes europeus

As destacadas olheiras do presidente da França, Nicolas Sarkozy, estavam mais do que evidentes na manhã de quinta-feira 3, quando ele abriria em Cannes, na Riviera Francesa, a sexta edição do G-20 Summit, encontro das 20 nações mais ricas do mundo. Na noite anterior, o marido de Carla Bruni dormira poucas horas – e o motivo certamente não foi o choro da filha Giulia, que nasceu no dia 19 de outubro. A insônia era resultado da missão duríssima que Sarkozy tinha pela frente: provar ao mundo, e aos milhares de manifestantes que se reuniram um dia antes na cidade vizinha de Nice, que tinha um plano consistente para tirar a Europa da crise econômica. Na verdade, aquele seria o segundo teste de resistência do líder francês, que já havia sido colocado à prova no fim de outubro, quando apresentou, junto com a chanceler alemã Angela Merkel, um plano de resgate à Grécia, o país mais vulnerável do Velho Continente. Sarkozy e Angela convenceram os bancos a perdoar 100 bilhões de euros do débito grego, o equivalente a 50% da fatura. A Europa e o mercado financeiro ficaram aliviados com a solução rápida, mas o desfecho não foi o esperado. Ninguém contava com a inabilidade do primeiro-ministro grego George Papandreou, que anunciou que iria submeter a proposta do perdão da dívida à aprovação popular. Seu argumento: uma decisão dessas não poderia ser tomada sem a concordância dos gregos, sob o risco de ferir a soberania do país. Para os principais líderes europeus, isso soou como uma provocação. A reação foi imediata. “Se o referendo for mantido, deve ser sobre se a Grécia quer permanecer na zona do euro ou não”, afirmou um enfurecido Sarkozy na quarta-feira 2. Abandonado por seus próprios ministros, massacrado pela imprensa e desmoralizado perante o público, Papandreou não teve outra saída a não ser desistir da consulta popular – e provavelmente de seu futuro político.

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NOVOS RICOS
Dilma e o presidente chinês Hu Jintao: eles discutiram ajuda financeira aos europeus

Foi nesse clima de tudo ou nada, e sob uma persistente garoa que teimava em cair na cidade francesa famosa pelos festivais de cinema, que se desenrolaram os encontros, discussões e propostas do G-20. Com poucas horas para resolver o impasse grego e diante da pressão intensa da opinião pública e dos mercados financeiros, os chefes de Estado nem sequer notaram as mãos de Tim Burton, Angelina Jolie e Brigite Bardot cravadas na entrada do prédio que seria palco dos debates. Provavelmente, em nenhum outro encontro do grupo das 20 maiores economias do mundo a atmosfera esteve tão carregada de preocupações. Todos os parceiros europeus do G-20 cobraram medidas urgentes capazes de combater a crise. Barack Obama falou em lançar um “firewall” (parede corta-fogo) para debelar os problemas do Velho Continente. Angela Merkel disse que não esperava menos do que uma “solução não para agora, mas para ontem”.

De onde viria a solução milagrosa? Sinal dos tempos, ela poderia sair dos países emergentes, em sua maioria, blindados contra a crise europeia. “A Europa é um patrimônio democrático que precisa ser preservado”, disse a presidente Dilma Rousseff, sentada ao lado do premiê italiano, Silvio Berlusconi, e do presidente da Coreia do Sul, Lee Myung-bak. Dilma reiterou que o Brasil está pronto para contribuir com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para buscar uma alternativa à crise europeia, embora não tenha especificado a dimensão dessa ajuda. A maior expectativa, porém, estava nos ombros de Hu Jintao, presidente da China e representante da nação mais rica dos Brics. Especulou-se de que forma – e com quanto – a China estava disposta a colaborar para socorrer a Europa, um dos principais destinos de suas exportações. Esquivo, Jintao frustrou os europeus. “Só depende de a Europa resolver seus problemas financeiros”, disse o presidente chinês a Sarkozy, segundo a agência oficial de notícias chinesa Xinhua. De concreto, um dos painéis do G-20 colocou os ministros de Finanças para avaliar planos de investimentos em infraestrutura de países emergentes. Nesse ponto, poucas nações são mais atrativas do que o Brasil, como admitiram vários debatedores. Segundo Elena Salgado, ministra da Economia da Espanha, as obras para a Copa do Mundo de 2014 e para os Jogos Olímpicos do Rio, em 2016, são importantes chamarizes para companhias europeias.

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PREOCUPAÇÃO
Sarkozy (à esq.), insinuou a retirada da Grécia da zona do euro e
Obama falou em lançar uma parede corta-fogo para debelar a crise
 

Na quinta-feira 3, outra proposta defendida especialmente pelos franceses causou certa polêmica: a criação de um imposto mundial sobre todas as transações financeiras. Chamada de Taxa Tobin (em homenagem ao economista americano James Tobin), ela teria sua função primordial ampliada. Concebida como forma de retirar dinheiro dos ricos para aplicá-lo em nações pobres, a taxa poderia, como querem alguns, ser destinada para socorrer países que enfrentam dificuldades econômicas. O projeto, porém, está longe de ser um consenso entre os principais líderes globais. Depois do início tenso, as discussões se tornaram mais amigáveis nos dias seguintes. Mesmo sem disfarçar as olheiras, Sarkozy parecia mais animado. “Tivemos aqui um eletrochoque positivo para que tudo siga a ordem conveniente”, afirmou o presidente francês.

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DE SAÍDA
O primeiro-ministro grego George Papandreou irritou seus próprios ministros

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