chamada.jpg

Um livro inédito do romancista português José Saramago, morto em junho do ano passado, chega às livrarias esta semana: é “Claraboia” (Companhia das Letras) e foi escrito em 1953. Saramago não era um autor desconhecido quando enviou a obra, um calhamaço de 300 páginas sobre o cotidiano em um prédio de seis apartamentos em Lisboa, a uma pequena editora. Ele já havia publicado seu elogiado livro de estreia, “Terra do Pecado”, e, sem obter resposta, deu prosseguimento ao que seria o seu segundo romance, “Manual de Pintura e Caligrafia”. Com a tranquilidade que lhe era própria, escrevia contos em revistas e jornais, às vezes assinados sob o codinome “Honorato”, e colecionou muitos textos inacabados. E deu por encerrado o episódio “Claraboia”. Três décadas depois, a editora que outrora o ignorou queria lançar o romance aproveitando que ele já era famoso mundialmente por conta de “Memorial do Convento”. E com a coerência que também sempre marcou sua trajetória, Saramago disse não e deixou a história como legado para que seus herdeiros decidissem o que fazer com ela após sua morte. O leitor sai vencendo.

img.jpg
VIDA PRIVADA
“Claraboia” foi escrito na juventude
e trata do cotidiano em um apartamento

O grande trunfo de “Claraboia” está na narrativa simples e divertida. O jovem José Saramago, à época com 30 anos, ainda não fazia uso da pontuação e sintaxe características que marcaram o seu estilo. Mas o jeito astuto de abordar as relações humanas e a ironia com que sempre olhou as intermitências da vida já estão lá. Iluminados pelo sol que entra pela claraboia do pequeno prédio, os personagens são construídos por meio de seu dia a dia mais banal. São eles um caixeiro-viajante, um sapateiro, duas mães solteiras que vivem juntas, um tipógrafo de jornal e uma moça que mora “por conta”. Suas histórias se entrelaçam pelo simples fato de residirem no mesmo endereço. No clima de fofocas, brigas de vizinhos e controle da vida alheia, qualquer pequeno ocorrido se transforma em um grande acontecimento. Nada diferente do que se passa hoje. Escrito mais de meio século atrás, o romance do jovem Saramago mantém o frescor e essa é mais uma das façanhas de um dos maiores escritores do nosso tempo.

img1.jpg