Advogado do ex-diretor da área Internacional do Banco do Brasil, Ricardo Sérgio de Oliveira, e de bancos e empresários brasileiros nos EUA, o americano David Eric Spencer é acusado – em um laudo pericial da Polícia Federal – de ter ajudado a transformar a agência do Banco do Estado do Paraná (Banestado) em Nova York numa megalavanderia mundial. Além de lavar cerca de US$ 30 bilhões de corrupção e do narcotráfico do Brasil, a agência é suspeita, de acordo com os peritos, de legalizar operações fraudulentas de empresas que burlaram o Fisco americano. O esquema envolve a simulação de doações para entidades assistenciais do Brasil, que são abatidas no Imposto de Renda americano. Contabilizado nos livros do Banestado e das empresas americanas, o dinheiro da caridade nunca chegou ao País. Os recursos foram desviados, conforme
a perícia, para paraísos fiscais nas ilhas caribenhas.

Em entrevista a ISTOÉ, Spencer diz que agia apenas como advogado
na abertura de empresas a pedido do Banestado. Mas, para os peritos
da Polícia Federal, seus passos iam além do exercício da profissão. Com
o gerente Ercio Santos, Spencer teria montado no banco uma rede de serviços que oferecia aos doleiros a chance de lavar dinheiro sujo sem deixar rastros. Spencer era responsável, por exemplo, pela criação de empresas offshore em paraísos fiscais, usadas pelos doleiros para abrir
as contas no Banestado. Apesar de estar instalada em Nova York, a agência não tinha correntista residente nos EUA. Ao analisarem 137 contas, os peritos concluíram que todas elas eram de correntistas da América do Sul e de vários paraísos fiscais. Spencer era responsável também pela defesa dos doleiros e outros correntistas acusados de lavagem de dinheiro. No laudo, estão anexados 200 documentos e procurações que comprovam o envolvimento do advogado americano
com os doleiros e toda a lavanderia.

Os peritos descobriram ainda que, embora o advogado atenda clientes brasileiros em seu escritório em Manhattan, o segredo de seus negócios estava além-mar: no Caribe. “Alguns documentos indicam que o advogado David Eric Spencer era o representante dos escritórios sediados nas Ilhas Virgens Britânicas e nas Bahamas, paraísos fiscais onde boa parte dos correntistas foi registrada. O anexo mostra a intermediação feita pelo gerente Ercio P. Santos, junto aos correntistas e ao “sr. Spencer”’, diz o laudo. Spencer concentrava seus negócios caribenhos na caixa postal 662 do Edifício Citco, em Road Town, nas Ilhas Virgens, endereço do escritório da Citco, especializado na abertura de empresas offshore. Foi lá, por exemplo, que o advogado abriu em 1996, em nome do doleiro Alberto Youssef a empresa June International Corporation, que movimentou US$ 650 milhões na conta número 14619 do Banestado. Desse total, US$ 56 milhões foram transferidos para a conta “Tucano” no Banco Chase de Nova York, movimentada, segundo a PF, por João Bosco Madeiro, ex-chefe de gabinete de Ricardo Sérgio no BB. Da “Tucano”, os dólares seguiam para paraísos fiscais do Caribe. Parte do dinheiro foi parar na empresa Antar Venture Investments, nas Ilhas Virgens Britânicas. Aberta em nome de Ronaldo de Souza, segundo a perícia testa-de-ferro e procurador de Ricardo Sérgio, a Antar comprou em 1998 imóveis em Minas Gerais e no Rio de Janeiro, avaliados em
R$ 50 milhões. Spencer admite ter aberto a empresa Andover em nome
de Ricardo Sérgio no escritório da Citco, em 1989. Em entrevista à
Folha de S.Paulo
, Ricardo Sérgio afirma que não vê Spencer há 20 anos, mas o ex-diretor do BB é desmentido pelo advogado. Em entrevista gravada a ISTOÉ, Spencer disse ter se reunido com Ricardo Sérgio em 1996 para tratar de negócios que, de acordo com ele, não estariam relacionados com contas no Banestado. Segundo Spencer, Ricardo
Sérgio pagou US$ 400 pelos serviços.

A milionária offshore June também está envolvida numa suspeita de fraude contra o Fisco americano. Os peritos da PF, que tiveram acesso a todos os documentos do Banestado de Nova York, encontraram na papelada da conta da June dois recibos para a empresa Epson America Inc, que tem o mesmo nome de uma multinacional da área de informática.

Pelos recibos, provavelmente forjados, suspeita a perícia, a Epson teria doado US$ 14 milhões para dois hospitais brasileiros em dezembro de 1996: US$ 6 milhões para a Sociedade Santamarense de Beneficência do Guarujá, que administra o Hospital Santo Amaro, e US$ 8 milhões para a Santa Casa de Praia Grande. Os peritos já sabem que a caridade foi uma ficção. Os dólares foram parar em paraísos fiscais. O interventor do Hospital Santo Amaro, José Luís Pedro, caiu na gargalhada ao ser indagado sobre a doação. “Nossa dívida hoje é de R$ 20 milhões. Revirei a contabilidade e nunca houve essa doação. Seria nossa salvação”, conta Pedro. O administrador da Santa Casa de Praia Grande, Eládio Gonzales, não retornou as ligações da reportagem. O diretor da Epson no Brasil, Hamilton Yoshida, disse que a empresa vai processar os responsáveis pela fraude. “Não temos, em 18 anos no Brasil, nenhum conhecimento de tais entidades”, afirma Yoshida.

O caminho – De acordo com o laudo, a rede de lavagem envolvia 300 laranjas uruguaios e paraguaios e cerca de 20 doleiros. Os funcionários dos doleiros depositavam o dinheiro sujo em contas CC-5 (contas de domiciliados estrangeiros no País) dos laranjas nos Bancos Banestado, Araucária e Integracion na fronteira em Foz do Iguaçu. De lá, esse dinheiro partia para contas de doleiros em Nova York e, na sequência, seguia para paraísos fiscais. O braço sul-americano da lavanderia conseguiu se fortalecer por conta de uma licença especial dada pelo Banco Central em 1996 a cinco bancos brasileiros com agências na
região Sul. A licença relaxou as regras para remessas de recursos ao Exterior realizadas a partir de Foz do Iguaçu, permitindo que estrangeiros fizessem depósitos em espécie nas contas CC-5 sem limite de valor, ao contrário do exigido no restante do País, e enviassem o dinheiro para contas lá fora. Instituída com a finalidade de facilitar a vida de comerciantes, a medida acabou se transformando numa festa para os doleiros. O BB abriu uma agência em Ciudad Del Este, no Paraguai. O banco era um dos cinco autorizados pelo BC a operar esse tipo de transação. Documentos do laudo da perícia mostram que a Office of the Comptroller of the Currency (OCC), órgão do EUA que fiscaliza os bancos, mapeou o esquema de lavagem do Banestado em Nova York em 1997. O documento foi entregue a autoridades do BC no mesmo ano e a agência do Banestado foi fechada três anos depois.

A RESPOSTA DE DAVID SPANCER

Um artigo sobre Ricardo Sérgio de Oliveira, publicado na ISTOÉ (12/02/03), afirma que ele, em 1996 e 1997, remeteu considerável importância em dinheiro do Brasil para uma conta num banco em Nova York e que, como advogado e “procurador” de Ricardo Sérgio de Oliveira, eu fui o responsável pela abertura e movimentação daquela conta. O artigo também afirma que eu fui uma das duas pessoas a administrar tal dinheiro. No que me concerne, essas afirmações não são corretas. Eu não administrei esse dinheiro, não tenho conhecimento desse dinheiro, não abri essa conta bancária, não conheço essa conta e não sou advogado nem procurador de Ricardo Sérgio de Oliveira no que diz respeito ao tal dinheiro. Além do mais, eu nunca me encontrei, nem conversei, nem me correspondi, nem tive contato de qualquer natureza, direta ou indireta, com João Bosco Madeiro da Costa, a outra pessoa que, presumivelmente, administra tais fundos. Aqui estão os fatos: em agosto de 1996, a pedido da filial de Nova York do Banestado, cliente meu de longa data, eu fiz o trabalho legal para a abertura de uma companhia com o nome de June International Corp. Abertura de companhias é uma atividade normal de advogados e eu fiz isso em várias ocasiões a pedido da filial do Banestado em Nova York. Eu não era e nunca fui acionista, funcionário, diretor nem procurador da June International Corp., e não tive nenhum interesse de qualquer natureza, direta ou indireta, naquela companhia. A única remuneração que recebi referente àquela empresa (US$ 575) foi como pagamento pelo trabalho de abertura da mesma. O memorando publicado por ISTOÉ – datado de 20 de agosto de 1996 e assinado por Ercio Santos, então funcionário da filial de Nova York do Banestado – confirma que eu transferi para ele os documentos de “abertura da June”. O artigo da ISTOÉ erroneamente confunde a abertura da companhia (a qual eu fiz como advogado a pedido do Banestado) e a abertura pela companhia de uma conta de banco (o que eu não fiz). Este é um sério engano cometido pelos autores do artigo e uma gritante negligência. Além do mais, eu não tenho nenhum conhecimento de que Ricardo Sérgio de Oliveira tenha qualquer interesse de qualquer natureza naquela companhia. Se as autoridades brasileiras quiserem falar comigo sobre o assunto, eu estou disponível a qualquer hora. Além do mais, o artigo de ISTOÉ faz outras afirmações a meu respeito que não são verdadeiras.”

Atenciosamente
David Spencer 
 

ME REUNI COM RICARDO SERGIO EM 96

Advogado de grandes banqueiros nos EUA, David Spencer nega ser procurador de Ricardo Sérgio. Mas admite ter aberto a conta do ex-diretor do BB nas Ilhas Virgens.

ISTOÉ – O sr. foi procurador de Ricardo Sérgio na Andover?
David Spencer –
Andover, como vocês sabem, foi aberta em
1989 e liquidada depois. Mas naquela época ele (Ricardo Sérgio)
era recém-saído do Banco Crefisul, não tinha nenhum esboço
do governo, era colega profissional.

ISTOÉ – A ligação do sr. com Ricardo Sérgio se restringe
à Andover? Qual foi sua participação na Andover?
Spencer
– Nada. Era advogado. O que aconteceu naquela época,
há 14, 13 anos, não tem nada a ver com 1996 e 1997.

ISTOÉ – Mas foi o sr. quem abriu conta da Andover?
Spencer –
Não abri a conta. Você está confundindo abrir
conta e abrir a sociedade…

ISTOÉ – O sr. fez outros negócios com Ricardo Sérgio?
Spencer –
Em janeiro de 1996 eu tive uma reunião com ele, que me pediu para preparar um documento. Não tinha nada que não fosse normal, e eu cobrei US$ 400 e mais despesas de US$ 25. E esse foi
o último contato com ele. Eu não tenho falado com ele.

ISTOÉ – Vocês discutiram outros temas?
Spencer –
Ele me consultou sobre um outro assunto que não tinha nada a ver com conta, com sociedade, nada.

ISTOÉ – E a conta da June no Banestado?
Spencer –
Eu abri a firma atendendo a um pedido do
Banestado, não tinha nada, como abrir conta, administrar
a conta, movimentar a conta, nada.

ISTOÉ – O Banestado, segundo as investigações
do FBI e da PF, não é uma agência, é uma lavanderia.
O sr. trabalhava para a lavanderia?
Spencer –
Não, eles me pediram para abrir a sociedade e isso foi
a única coisa que eu tinha feito em conjunto, nada mais.

ISTOÉ – As investigação mostraram que era um banco de fachada, um banco de lavanderia?
Spencer –
Como podem alegar isso?

ISTOÉ – Todos os correntistas que tinham 153 contas lá eram doleiros, alguns deles ligados ao narcotráfico. O sr. não sabia que o sr. Youssef era ligado ao narcotráfico? O sr. não sabia que era dinheiro sujo quando trabalhava com ele?
Spencer –
Eles me consultaram sobre vários assuntos jurídicos, sobre a lei americana, etc., como qualquer consulta a um advogado.

ISTOÉ – O sr. sabe de quem é a conta Tucano do Banco Chase?
Spencer –
Não tinha nenhum conhecimento disso.

ISTOÉ – O João Bosco Madeiro, o sr. conhece?
Spencer –
Não tenho nenhum conhecimento dele, não
sabia nem o nome dele antes disso.