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ROTA
O sítio arqueológico de Pau Cheiroso, em Seropédica: um dos 50 descobertos na obra da rodovia

A construção de uma rodovia projetada para levar o progresso e desafogar o trânsito da região do Grande Rio está abrindo caminho para uma viagem a um passado tão distante quanto as primeiras ocupações humanas no litoral brasileiro. Ao longo do traçado do chamado Arco Metropolitano – que contorna a capital fluminense – já foram encontrados mais de 50 sítios arqueológicos, reunindo fragmentos de seis mil anos de história. Antes que o concreto e o asfalto condenem objetos milenares ao limbo eterno, arqueólogos salvam preciosidades, como instrumentos utilizados pelos índios sambaquianos, que antecederam os tupi-guaranis. Na rota do trecho novo do Arco, de 70 quilômetros entre Duque de Caxias e o Porto de Itaguaí, também foram salvas peças que pertenceram a fazendeiros e escravos até o fim do século XIX. “É raro conseguir apoio para pesquisa arqueológica. Quando é realizado um grande empreendimento como esse, é uma maravilha. Podemos confirmar informações e detalhar melhor a data em que cada grupo viveu”, diz o historiador Gênesis Torres, especialista na região.

Preservar o passado não é iniciativa fácil quando o que está em jogo é justamente o tempo. Por conta dos achados e da preservação ambiental, o cronograma das obras, orçadas em quase R$ 1 bilhão, já foi postergado duas vezes. A rodovia, aguardada há décadas e que tinha previsão inicial para ficar pronta em dezembro de 2010, deve ser finalmente inaugurada no fim do ano que vem. “Sempre temos como contornar imprevistos, isolando a área e desviando a frente de trabalho para outro ponto. Mas, quando começamos, esperávamos no máximo dez sítios arqueológicos e não 50. Isso tem causado impacto no cronograma, mas temos que agir dentro das normas”, explicou o secretário estadual de Obras, Hudson Braga.

As descobertas na área do Arco têm sido tão vastas quanto inesperadas. Foi por puro acaso que técnicos encontraram ruínas de uma construção do século XIX no município de Seropédica, próxima a um sítio pré-histórico. O local, chamado de Pau Cheiroso, está intrigando os pesquisadores que ainda não conseguiram identificar a função da obra. As hipóteses mais prováveis são de que funcionava como fortaleza ou como terreiro de cultos de religião de origem africana. Só nesse ponto, foram desenterrados mais de mil cachimbos. Uma pequena peça de cerâmica com vestígio de ervas dentro vai passar até por análise laboratorial para ajudar nas conclusões. “Hoje olhamos para a Baixada Fluminense e vemos seus problemas urbanos e industrias, mas a região teve um passado agrícola e escravocrata importantíssimo que foi praticamente apagado. Espero que esse trabalho contribua para trazer mais informações sobre esse período”, ressaltou Paulo Knauss, historiador e professor da Universidade Federal Fluminense.

No município de Duque de Caxias, onde as obras andaram mais rapidamente, e o levantamento também, foram encontrados objetos de variadas épocas. Um dos pontos, na beira do Rio Sarapuí, já serviu como porto para o escoamento da produção agrícola tanto para abastecer a capital quanto para escoar a produção de café das fazendas do interior. Junto a peças rústicas utilizadas por escravos, produtos sofisticados, importados da Europa e utilizados pelas famílias dos fazendeiros foram desenterrados. Entre as relíquias inusitadas, há um relógio de sol de bolso. Uma ferraria quase intacta foi descoberta sob a terra. Através de achados desses sítios, pode-se perceber a diferença de cultura dos sambaquianos para os tupi-guaranis. Os primeiros habitantes da região se alimentavam basicamente da pesca e seus instrumentos eram mais rústicos. Os índios dominadores tinham ferramentas mais bem trabalhadas, se alimentavam também de mandioca e adotavam rituais sofisticados para enterrar seus mortos: depositavam os cadáveres em urnas.

Parte desse acervo encontrado ao longo do Arco já foi apresentada a alunos de escolas públicas da região, mas uma grande exposição deve ser montada no Centro do Rio para apresentar todo o material recolhido. Depois, o terreno deverá ser recoberto, mas algumas áreas podem ainda ser tombadas. Em locais onde a especulação imobiliária é crescente, garantir a preservação evitaria, por exemplo, que uma indústria se instalasse sobre ruínas históricas. O Instituto do Patrimônio Historio e Artístico Nacional (Iphan) acompanha os trabalhos e dará parecer sobre os tombamentos. “Desde a pré-história até os dias atuais, não houve um período em que a Baixada Fluminense não tenha sido ocupada pelo homem. É uma história riquíssima que precisamos preservar”, afirma Gênesis Torres. 

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