Imerso num tempo que não é presente, passado e muito menos futuro, um homem de meia-idade usa sedimentos
de sua memória para criar um tempo próprio no romance Berkeley em Bellagio (Objetiva, 104 págs., R$ 21,90),
do gaúcho João Gilberto Noll. Todo redigido num único parágrafo, o autor propõe conflitos e segue apartando
-os em jogo infinito, resultando em extrema sedução. Protagonista exemplar do “não-acontecer” da vida (expressão usada numa das divagações do personagem), Noll discorre sobre o que não é fato concreto embora
seja pilar de uma existência, por mais adverso que possa parecer. Berkeley em Bellagio embaraça realidade e ficção. O professor e escritor narrador do romance, assim como Noll, deu aulas na Universidade da Califórnia, em Berkeley, Estados Unidos, e foi escritor convidado na Fundação Rockefeller, em Bellagio, Norte da Itália. Lá pelas tantas, um deles – seria personagem ou autor? – responde sobre o que de verdade acontece em seus livros: “Nada.”

Este “nada” faz sentido diante do humor americano “que exige ação e movimento em progressão”. Mas é um nada em termos. A história fala de um gaúcho gay, que vive nos Estados Unidos sem falar inglês; depois, na Itália, sem falar italiano e, de volta ao Brasil, percebe que seu português também não é dos melhores. O exílio da linguagem não interfere no objetivo principal: ter um príncipe em sua cama para viver idílicas noites de amor. Há cenas de sexo que remetem ao livro A fúria do corpo (1981) e outras, de composição intransitiva, que encostam em Hotel Atlântico (1989), duas grandes obras do autor sacramentado como revelação dos anos 80 e que hoje é parte da melhor literatura brasileira.
 


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