Por trás de todo DJ de sucesso existe uma cantora feliz. Com a crescente popularização da música eletrônica, os ases dos toca-discos descobriram que juntar vocais femininos ao som digitalizado não apenas humaniza e dá mais calor ao batuque das pistas como o torna mais palatável ao grande público. A descoberta já deu provas de eficácia, emplacando canções como Sambassim, sacolejo eletrônico da cantora paulistana Fernanda Porto, 34 anos, que ganhou a noite londrina ao ser remixado pelo DJ Patife, codinome de Wagner Ribeiro de Souza. Os dois foram responsáveis pela iniciação da turma dos piercings e tatuagens no sofisticado universo de Antonio Carlos Jobim, ao criar uma versão drum’n’bass da clássica bossa Só tinha de ser com você. Graças à investida, a intérprete, formada em canto lírico e há um bom tempo procurando um lugar no panteão da MPB, conseguiu gravar seu primeiro disco, Fernanda Porto, hoje na casa dos 70 mil vendidos, cujo show de lançamento acontece na quarta-feira 12 e na quinta-feira 13, em São Paulo. “Os DJs estão cada vez mais abertos. A maioria está aprendendo música e descobrindo que é legal trabalhar com o formato da canção”, diz Fernanda, já conhecida como a musa do drum’n’bass.

Se antes uma cantora iniciante pagava promessa para que um olheiro de gravadora a notasse em algum espetáculo, agora ficou mais fácil ir atrás
de um DJ e mostrar as credenciais. Foi assim que
a paulistana Janaína Lima, 27 anos, conseguiu
exibir seus dotes melódicos ao participar das músicas Chuva e Tem que valer, do DJ Ramilson Maia, no momento entre as mais pedidas nas rádios do segmento dance, que podem ser ouvidas até
no Big Brother Brasil. Outras descobertas são as também paulistanas Nanni, ou Aparecida de Souza Santos, 32 anos, e Rosy Aragão, 28, convidadas
do DJ e produtor Mad Zoo, ou Marco Antônio Duarte, no CD Mad Zoo presents technozoide
bad innonsense
. À cata de novas divas para seu próximo disco, a ser lançado no segundo semestre, Patife tem um
nome em vista. Ela é Janaína Holland, que gravou com o projeto Syndicate, em ritmo drum’n’bass, a faixa Balança pema, de Jorge Ben Jor, uma das músicas que Patife mais gosta de tocar na noite. Detalhe:
o registro de Janaína é parecidíssimo com o de Marisa Monte. “Essa menina vai dar trabalho”, afirma Patife, que pretende usá-la em pelo menos três faixas do novo trabalho.

Mas não foi tão fácil apostar na novidade. Ele lembra o susto
estampado na cara dos frequentadores do clube paulistano Lov.e,
sempre mais chegados na música eletrônica com gorjeios em inglês,
ao serem apresentados, há dois anos, ao remix de Sambassim. Não apenas a batida, como a letra, quase uma declaração de princípios da fusão do som eletrônico com a MPB, deixou as pessoas boquiabertas. “Estava com o pé atrás, achando que iam me chamar de pagodeiro. Quando toquei a música e a pista inteira olhou para a cabine, eu pensei que era o fim. Mas foi o contrário. Tive que repeti-la mais três vezes naquela noite.” Para o DJ, que afirma não conseguir produzir uma
música nova sem usar no mínimo um loop (trecho em repetição) vocal,
o uso de letras torna a música mais acessível. “É necessário para tornar
a ligação mais fácil. Mas não acho que com isso se ganhe mais espaço nas rádios. O negócio é a pista.”

Artifício – Fernanda Porto acredita que o artifício criou uma empatia maior com o batuque eletrônico. “A pessoa passa a conviver com a canção e a carrega para fora da pista.” O namoro da cantora e compositora com o drum’n’bass se deu há seis anos, quando ela conheceu o DJ Xerxes de Oliveira numa feira de instrumentos. Ele aproveitou e mostrou alguns trabalhos no gênero. “Tive um interesse imediato pelo ritmo, por ser mais suingado. Andava enjoada de MPB e, através dele, voltei a fazer coisas mais brasileiras.” Muita gente acha que Fernanda surgiu do nada. Mas tem música de seu álbum que foi composta há dez anos, caso de 1999, criada para o filme homônimo de Toni Venturi, com letra em latim e cantada no estilo lírico. Outra bem antiga é a belíssima Eletricidade, na linha lounge, feita sobre poema de Ledusha, canção que encantou o DJ inglês Fatboy Slim. “Não caí do erudito para o pop. Quem me apresentou a música eletrônica foi Hans Joachim Koellreutter”, conta a cantora, que estudou composição e regência com o lendário compositor alemão. No disco, ela toca piano, sax, violão, guitarra e ainda cuida das programações eletrônicas. “Quando o gravei, éramos só eu e o técnico no estúdio”, recorda.

Com uma trajetória não tão erudita, mas igualmente eclética, Janaína Lima começou como bailarina, tendo participado das trupes de dança Quasar, de Goiânia, e Companhia de Dança de Diadema. Também
mostrou a cara em clipes de Sandy e Junior e de Maurício Manieri,
sem falar de um que ela adora anunciar: Betcha by golly, wow, de
Prince. Ainda na companhia de Diadema, cantou à capella num dos espetáculos. Foi a deixa para dar a guinada na vida. Numa rave, conheceu Ramilson Maia. “Disse para ele que cantava. Ele me pediu
para dar uma amostra e aí rolou o axé”, conta Janaína. A cantora não
é a primeira a trabalhar com Maia. No CD Dj Ramilson Maia apresenta drum and bass brazuca vol. 1, de 2001, ele já usava as cantoras Vera Medina e Chiara Banfi. “Sempre senti necessidade de fazer com que meu trabalho se expandisse e só com vocais isso é possível”, diz Maia. “Era
o que precisava para tornar o som mais audível e para neguinho parar
de ficar falando que é só bate-estaca.”

Usar cantoras em projetos eletrônicos
é quase um lugar-comum na Europa
e nos Estados Unidos. Tricky, por exemplo, adorava o registro soul de Martine. A dupla Chemical Brothers sempre reservou uma canção para Beth Orton. Mesmo nomes mais tarimbados nunca se intimidaram em participar de experiências vanguardistas, a exemplo
de Shirley Bassey, que fez uma ótima parceria com a dupla de big beat Propellerheads. No Brasil, contudo, o preconceito campeia. Para imprimir mais emoção às suas músicas, Mad Zoo foi à cata de vocalistas que não se incomodavam em aparecer como convidadas – o chamado featuring, tão comum nos discos estrangeiros –, caso de Patrícia Marx e Laura Finocchiaro. Entre as novatas, Mad Zoo apresenta Nanni e Rosy Aragão. “São cantoras prontas, que o mercado não conhece, mas que já tocam nas rádios sem jabazinho”, provoca ele.

Nanni, atriz e filha de guitarrista, caiu nas graças de Mad Zoo ao gravar um disco de black music no seu estúdio. Participa, em inglês, da faixa Air loves the sun, emulando o estilo da vocalista Skye Edwards, da banda inglesa Morcheeba. “O legal de fazer parte de um projeto eletrônico é que você não precisa ser loira e bonitinha, basta ter voz”, afirma. Rosy Aragão, que trabalha desde os 15 anos como cantora da noite, é a responsável pelo suingue da bossa Esfera. “A música eletrônica abriu um campo enorme para nós. Quando comecei, a alternativa era ser intérprete de axé ou imitadora de Mariah Carey.” Hoje, ela canta MPB com batida moderna. Do jeito que a moçada gosta.