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EMOÇÃO
Piaf em foto de Maurice Seymour, de 1955: dores curadas com morfina

A cantora Edith Piaf (1915-1963), “a voz” da França, foi a Amy Winehouse de sua época. Como Amy, a intérprete de “La Vie en Rose” morreu relativamente jovem (47 anos), vítima de uma equação mal resolvida e de variáveis clássicas: infância de abandono e privações, decepções amorosas e fuga no alcoolismo e nas drogas. Isso tudo é sabido – a própria Piaf tratou desses assuntos em dois livros “ditados” a escritores.

A novidade da biografia “Piaf – Uma Vida” (Leya) é que a autora, Carolyn Burke, tenta desfazer o clichê do gênio consumido pela própria chama e traçar um perfil de uma artista disciplinada cuja luta pela sobrevivência – e pelo sucesso na carreira – falou mais alto que o impulso autodestrutivo.

Só mesmo a força vital e criativa justifica a superação de tantos obstáculos: filha de um contorcionista e de uma cantora de cabaré que a trocou pela boêmia, Piaf foi criada no prostíbulo de sua avó e, quando o seu pai percebeu que ela tinha uma voz acima do normal, passou a utilizá-la em seus espetáculos mambembes. A convivência com o universo de párias sociais ajudou a sua emancipação precoce. Aos 16 anos, lá está o pequeno pardal (significado de Piaf) vivendo sozinha com uma amiga e cantando em espeluncas de Pigalle, a “zona ver­melha” de Paris. Casou-se com um entregador (de quem logo se separou), teve uma filha que morreu aos dois anos de meningite (moléstia mortal na época) e buscou abrigo nos braços de um cafetão, Ali-Babá, cujo comparsa atendia pelo nome de Tarzan. Ao ouvir dele que mulher de bandido tem que “rodar a bolsinha”, Piaf respondeu que conhecia uma forma mais rentável de trabalhar nas ruas. Ou seja: cantando.

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INTIMIDADE
Piaf com a amiga Marlene Dietrich: segundo a atriz, ela se achava feia
e insegura, mas tinha um charme ao qual os homens não resistiam

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Nesses primeiros tempos, ela tinha rendas extras, tipo “colecionar rolhas”: fazia companhia a homens solitários e os incentivava a entornar garrafas e garrafas de champanhe. Ganhava depois pelas rolhas acumuladas. Embora evitasse falar desse período, segundo Carolyn a cantora chegou a se prostituir. Precisava de dez francos para custear o enterro de sua filhinha; e o cliente, sensibilizado, pagou mais.

Movida pela impulsividade que a fazia afastar-se de pessoas negativas, Piaf logo saiu desse ambiente – em direção à fama. Faz parte da mitologia moderna o encontro da cantora com o dono de cabaré Louis Leplée, que a viu cantando numa esquina, deu-lhe cinco francos e um palco iluminado. Daí para a plateia seleta do Playhouse de Nova York, em 1947, quando foi paparicada por Gene Kelly, Greta Garbo e Marlene Dietrich, não foi mais uma questão de sorte. Apesar de detestar a companhia feminina, Piaf ficou íntima de Marlene. Segundo a atriz alemã, ela se achava feia e insegura, mas “seu carisma era tão grande que podia ter qualquer homem que quisesse”. E foram muitos.
Um deles marcou a sua vida e a deixou devastada quando morreu num acidente de avião: o lutador de boxe Marcel Cerdan. Ela passou a exagerar na bebida e a se drogar com morfina, vício adquirido para aplacar as dores após dois acidentes de carro. Ao final, com muitas complicações, voz falha e aparência de “mariposa agonizante”, começou a esquecer letras de músicas que conhecia de cor. Entre elas o seu hino: “Não me Arrependo de Nada”.  

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