Há muito mais vida entre o Brasil da terra e o Brasil do mar do que sonha a nossa imaginação. Há cores e brilhos. Há beleza e riqueza – riqueza literalmente. Um exemplo: o potencial sub-marítimo brasileiro, nas suas mais diversas áreas, pode gerar mais valor econômico ao País do que, surpreendentemente, a tradicional carne de pescado. “As substâncias antitumorais descobertas em esponjas e tubarões mostram isso de forma clara e exuberante”, diz o oceanógrafo Roberto Ávila Bernardes, do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP). Se bem explorado, todo esse potencial pode virar uma forte fonte de obtenção de divisas e de riquezas. E tanto é assim que um recente estudo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Unep) mostra que o turismo, os mergulhos e a pesca em pequena escala em cada quilômetro quadrado de coral podem gerar anualmente de US$ 100 mil a US$ 600 mil.

O primeiro mergulho nesse rico e submerso universo brasileiro foi dado pelo naturalista mineiro Alípio Miranda Ribeiro (1874-1939), considerado o pai da ictiologia (ciência que estuda os peixes) no País e autor de Fauna brasiliense: peixes, uma das bíblias sobre o tema. O segundo mergulho é recente, deu-se em 1995, quando no Brasil se começou a pesquisar o fundo do mar para a campanha de ampliação da faixa litorânea sob sua soberania, de 12 para 200 milhas náuticas. “A biodiversidade de nosso mar é muito mais rica do que imaginávamos”, diz o biólogo Ivan Sazima, professor do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Essa riqueza pode ser traduzida em cerca de 1,4 mil espécies de peixes. Desse total, aproximadamente 600 vivem nos recifes de coral.

Para a maravilha dos olhos e para o
rigor do conhecimento científico, parte dessas belezas e riquezas está também agora no livro Brasil submarino (Editora Metalivros), com texto de Sazima e ilustrações da fotógrafa e mergulhadora Maristela Colucci, dona de um acervo de cinco mil imagens do Brasil submarino. “O melhor lugar, o tesouro, é Fernando de Noronha pela sua biodiversidade e suas águas transparentes”, diz ela. Para Sazima, o trecho sob o mar entre Cabo Frio e o Espírito Santo é um dos mais pródigos. Motivo: as correntes provocam a emersão de nutrientes que multiplicam a vida marítima.

Um dos marcos nas pesquisas submarinas foi o avanço da biologia molecular, que permitiu análises de DNA das espécies. Assim, muito daquilo que os cientistas identificavam como uma única espécie passou a se desdobrar em três, quatro ou ainda mais. No caminho inverso, constataram-se também as ameaças submarinas, entre elas a degradação costeira que mata os corais –, uma espécie de galinha dos ovos de ouro que vive no mar. “Foi o que ocorreu com os recifes do Espírito Santo, da Bahia e de Pernambuco”, diz Sazima.

Uma espécie em alarmante declínio é o tubarão, devido à pesca predatória e à exploração de suas nadadeiras – base de um comércio mundial que vai da sopa aos cosméticos. Vilões nas telas de cinema e no ataque a alguns surfistas,
os tubarões são heróis para a natureza e para o equilíbrio dos mares. “Seu
declínio ocorre no mundo todo. Sem eles, o desequilíbrio ambiental do fundo
do mar é inevitável”, diz Sazima. Como tudo na natureza, as conseqüências
podem até demorar – mas nunca falham.