Em sua confortável residência no bairro do Alto
da Boa Vista, em São Paulo, o jornalista Antônio Pimenta Neves não ousa abrir as pesadas cortinas pretas que cobrem as janelas da rua. Está acuado. Depois de cinco anos em liberdade provisória,
o assassino confesso da jornalista Sandra
Gomide terá de deixar a ociosidade do lar para enfrentar um júri popular no dia 3 de maio, no
Fórum de Ibiúna. Pode não voltar para casa. Ele disparou um tiro pelas costas e outro, fatal, na cabeça da ex-namorada no dia 20 de agosto de 2000. Sua hora da verdade, finalmente, está chegando. A única esperança de Pimenta é tentar convencer o júri de que matou Sandra por motivos passionais. Ele estava conseguindo protelar a marcação do julgamento depois de ter ficado preso provisoriamente por apenas sete meses. Desde a convocação do tribunal, porém, Pimenta difunde versões de que anda deprimido, confuso e com a vida financeira em absoluta desordem. Os advogados da família de Sandra apostam que ele quer assumir, ainda esta vez, o papel de vítima da história.

A rotina de Pimenta é de completo isolamento. Ele passa o tempo com os olhos pregados sobre a tela de seu computador. Para se exercitar, faz apenas curtas caminhadas pelo quintal. Com pavor de ser reconhecido nas ruas, o jornalista nem mesmo se permite aproveitar os finais de semana em seu luxuoso sítio de três alqueires em São Roque. “Ele esteve aqui em dezembro, ficou umas três horas, e depois sumiu”, garante o caseiro Roque. O último ato dele naquelas bandas foi a liquidação de sua criação de cavalos mangalarga marchador. “Tinham oito aqui no sítio. Alguns valiam até R$ 35 mil, mas todos foram vendidos”, conta o funcionário. Não se pense, porém, que o jornalista foi à bancarrota. Os amigos dizem que sua vida financeira está, sim, tumultuada, mas que seu maior problema seria a crise de consciência. É certo que ele está sem amigos. Depois do crime, quase todos deixaram de freqüentá-lo. “O Antônio que eu conheci morreu naqueles dois disparos”, desconversa um de seus ex-íntimos. Enio Mainardi, amigo de Pimenta por mais de quatro décadas, foi procurado por Istoé para falar sobre “Antônio”. Preferiu escapar. “Tô fora, me tira desta”, solicitou. Após o crime, Mainardi socorreu Pimenta, talvez lhe salvando a vida. Escondido da polícia, o jornalista tomou 72 comprimidos tranqüilizantes dois dias após a morte de Sandra. Enquanto engolia as cápsulas, procurou Mainardi, que, a tempo, conseguiu encaminhá-lo a uma clínica. Homem de hábitos sofisticados antes de matar Sandra, hoje Pimenta nem tem empregada doméstica, mas apenas uma diarista, que limpa sua casa uma vez por semana. Os restaurantes finos são agora só lembrança. O jornalista alimenta-se de congelados. “Nem pizza ele pede à noite”, garante o vigia da rua.

Aos poucos com quem fala, o réu confesso desfia um rosário de arrependimentos. “Essa tragédia deixou duas vítimas: a Sandra e eu”, tem dito a quem ainda o escuta. Essa versão, porém, está longe de ser aceita pela família Gomide. “Ele acabou com nossa vida”, desabafa o pai de Sandra, João Florentino. Desde a morte da filha, o pai sofreu três infartos e salvou-se com duas pontes de safena e uma mamária. “Peço aos médicos para não me deixarem morrer antes de ver o assassino preso”, diz. “Ele só está fora da cadeia porque tem dinheiro.” A lentidão judicial no caso Pimenta Neves é condenada pelo promotor Carlos Sérgio, que irá acusá-lo no júri. O promotor até desconfia que as versões espalhadas por Pimenta sobre danos à sua própria saúde mental sejam outra cartada jurídica da banca do criminoso para protelar ainda mais a condenação. “Casos como este demoram normalmente dois anos ou menos para ter uma sentença final”, contabiliza o promotor. “Nunca os seis anos em que este caso está sendo arrastado.” Uma consulta ao arquivo do Fórum de Ibiúna prova que ele está certo. Acusado de assassinato em janeiro de 2002, Amaraíde de Campos Morais foi condenado por um júri da cidade a 12 anos de reclusão. A sentença foi dada um ano e meio após a ocorrência do crime.

Pimenta volta ao banco dos réus tendo de carregar uma sentença de primeira instância que considerou seu crime hediondo, cometido por motivo torpe e sem chance de defesa para a vítima. Depois de uma relação amorosa de cinco anos com Sandra, a quem chefiava na redação do jornal O Estado de S.Paulo, ele não suportou o término do namoro e, covardemente, a matou. A ONU estima que sete em cada dez mulheres assassinadas no Brasil são vitimadas por pessoas próximas, mas também calcula que somente 2% dos acusados são condenados. A aposta de Pimenta é fazer parte da maioria que sai livre e escapar de uma sentença que pode lhe custar, aos 68 anos de idade, de 12 a 30 anos de prisão.