Há diversos relógios na ampla, elegante e sofisticada sede do Instituto Fernando Henrique Cardoso, no Vale do Anhangabaú, centro antigo de São Paulo. Não há a menor discrepância de horários entre eles – e, encostado soberanamente a uma parede, destaca-se um tradicional e austero Maple Cº & Ltd – London. A cada quarto de hora ele faz ecoar quatro badaladas. Oito badaladas marcam meia-hora. Dezesseis, a hora cheia.

– Como o sr. se sente com essa implacável marcação do tempo?
– Eu sinto angústia com as quatro badaladas, um pouco mais com as oito e mais um pouquinho com as 16.

A angústia crescente de Fernando Henrique com o caminhar dos ponteiros tem motivo: pressa. Uma pressa objetiva, de quem não vê a hora de derrotar o PT. O discurso para resgatar o poder para os tucanos ele já traz na afiada ponta da língua. Trata-se de demolir o que restou do patrimônio ético do partido, que, no passado, fazia passeatas sob o lema “Fora FHC”. De sublinhar na campanha deste ano que Lula abandonou a classe média, vive solitário com opositores em seu próprio partido e aliado ao que há de pior na política nacional. “Uma estrela cadente”, no resumo do ex-presidente.

Com essa idéia fixa, Fernando Henrique cumpriu nos últimos dias uma agenda de candidato. Mal desembarcou de Madri, última escala européia do seu mais recente tour de palestras internacionais, já recebeu para almoço os tucanaços Tasso Jereissati e Aécio Neves. Baixou ali, em sua posição de fiel da balança do partido, as regras para a escolha do candidato a presidente. “Haverá consultas informais, temos tempo”, adianta. Na segunda-feira 30, disse na reinauguração do Instituto Social Democrata que “ladrão, nunca mais”. Na noite seguinte, envergando smoking na festa de 20 anos da BM&F, contou a amigos que o partido estava fazendo pesquisas para descobrir qual é, entre o governador Geraldo Alckmin e o prefeito José Serra, o homem mais adequado para apear Lula do poder. No dia seguinte, ganhou o título de sócio honorário do tradicional Clube dos Ingleses. Mais de dez repórteres o esperavam à saída, mas o carro de FHC passou batido. Ele parecia saber que seria alvejado com perguntas sobre sua preferência pessoal. O coração dele, todos sabem, bate por Serra, mas visto de perto Fernando Henrique está cada vez mais convencido da alternativa que aponta para o governador de São Paulo. “Ele está numa situação mais confortável para concorrer, enquanto Serra teria de enfrentar um buraco negro entre a saída da prefeitura e a eleição.” O certo é que o ex-presidente quer jogar o jogo e influir decisivamente, aos 74 anos, nos rumos do País. Que fique claro: com seus ternos modernos, saúde de ferro e ouvidos atentos às badaladas dos relógios, o político FHC está no auge da forma.