Ver o filho doente causa agonia a qualquer um. Mas notar que há algo errado com a criança e não conseguir descobrir a razão do problema, mesmo após visitar diversos médicos, é desesperador. A angústia de não encontrar respostas é fato comum na vida de famílias com parentes portadores de enfermidades raras, entre elas as determinadas por falhas genéticas. Felizmente, a solidariedade é também uma característica dos que enfrentam esses males. Quando alguém se depara com um problema cujo nome nunca ouviu falar, caso da mucopolissacaridose (ou MPS), o relato da experiência de outras pessoas traz conforto e soluções. A união de famílias tem servido para garantir, por exemplo, remédios a pacientes.

Entre as enfermidades raras estão as chamadas doenças de depósito. São mais de 40 problemas associados a genes que levam à deficiência da produção de enzimas necessárias para que o corpo funcione corretamente. Por causa disso, substâncias específicas se acumulam no organismo, formando depósitos em tecidos e órgãos. O excesso desses componentes provoca distúrbios e afeta o estado físico e até mental do portador. Ainda hoje não se encontrou a cura para essas doenças. A boa notícia é que em 2003 foram aprovadas nos Estados Unidos duas drogas (Fabrazyme e Aldurazyme) que ajudam a controlar, respectivamente, a doença de Fabry e o MPS1 (há mais seis tipos).

Os medicamentos fazem a reposição de enzimas e reduzem sintomas, melhorando a qualidade de vida dos pacientes. São drogas caras e, por enquanto, não estão acessíveis a todos os doentes. Espera-se que neste ano o Ministério da Saúde inclua os remédios na lista das drogas de alto custo. A liberação dependerá, entre outros fatores, do registro desses produtos no País, o que ainda não ocorreu. “Muitos não têm recursos para lidar com essas doenças”, afirma o economista Márcio Cipriano, de Campinas (SP), presidente da Associação Paulista de Mucopolissacaridoses. Ele é pai de Felipe, de quatro anos e portador de MPS1, e de Camila, cinco anos, que não tem a doença. Desde junho de 2002, o menino se trata com o Aldurazyme. O garoto faz parte de um estudo do laboratório Genzyme, fabricante do remédio.

Felipe tinha problemas respiratórios desde bebê, quando começou a apresentar alterações faciais típicas da doença. Aos cinco meses, estava com o fígado e o baço aumentados. Aos nove meses, veio o diagnóstico. “Diziam que ele não andaria”, conta a mãe, Daniela. Porém o casal descobriu que havia um remédio para MPS em fase de pesquisa. E conseguiu incluir o menino no trabalho. “Antes, ele mal se levantava. Agora pedala e brinca. Ao contrário de de outras mães, adoro ver meu filho fazendo bagunça”, comemora Daniela.

Existe mais um portador que conseguiu tratamento porque participa
de um estudo. Outros três, no entanto, recorreram à Justiça para ter acesso à droga. E há outra luta: a garantia de tratamentos complementares, como fisioterapia e fonoaudiologia. A Sociedade Brasileira de Mucopolissacaridose (www.mpsbrasil.org.br) pede ao governo a regulamentação de planos de saúde e seguradoras para que cubram essas terapias para portadores de doenças genéticas raras. No País, estima-se que há 50 pessoas com MPS1.

Em relação à doença de Fabry, há 34 pessoas diagnosticadas. Delas, 16 recebem gratuitamente o remédio pelo laboratório. “Montamos um conselho médico para decidir quem está em situação mais grave para obter primeiro o remédio”, revela a geneticista Ana Maria Martins, da Universidade Federal de São Paulo. E há o caso de um paciente que obtém o Fabrazyme por liminar. Também foi criada, no ano passado, a Associação de Portadores de Fabry. A entidade luta por medicamentos e orienta os doentes que padecem, principalmente, de problemas renais. Apesar de o mal se instalar nos primeiros anos, é na idade adulta que os sintomas se manifestam com mais intensidade. O depósito se dá nos rins e nos vasos sanguíneos. Muitos vão parar na hemodiálise por comprometimento renal.

Se a luta dos pacientes é conseguir melhores condições de tratamento, a dos profissionais de saúde é ampliar o conhecimento dos colegas. “A nossa batalha é fazer o diagnóstico. Dou muitas aulas”, afirma a geneticista Ana Maria. As doenças genéticas raras podem ser detectadas por um exame de sangue e pela dosagem de enzimas. No futuro, a esperança é de que as informações estejam tão disseminadas que esses males possam ser identificados nos primeiros dias de vida. É o que sonha o endocrinologista Rogério Vivaldi, presidente do laboratório Genzyme do Brasil. “Exames de detecção poderiam ser incluídos no teste do pezinho. Há um grupo de especialistas estudando isso”, conta. Para Ana Maria, no entanto, o acréscimo das doenças de depósito no exame feito na maternidade vai demorar. “A perspectiva é tratar o paciente antes de a doença se manifestar. Mas, por ora, temos de assegurar o tratamento para as pessoas que já manifestam o problema”, diz.

Sorriso pincelado

Sorrir é fácil? Não para as crianças portadoras da rara síndrome de Moebius (pronuncia-se mêbius), que provoca paralisia em alguns nervos, especialmente os faciais. Quem a desenvolve tem dificuldade para franzir a testa, estender os lábios, soprar e até falar. “Outro problema é o estrabismo. As crianças frequentemente não conseguem fechar os olhos de forma adequada e podem ter ressecamento de córnea”, explica a oftalmologista Liana Ventura, do Hospital de Olhos de Pernambuco. Na maioria das vezes, a síndrome surge sem que haja uma causa definida. E há casos associados ao uso de alguns remédios na gravidez, como o Citotec (antiinflamatório). Por aqui, estima-se em 300 o número de portadores.

Mas uma técnica curiosa está conseguindo fazer algumas crianças sorrirem. Trata-se do bodybrushing, criado pelo terapeuta inglês Steve Clarke. O método estimula reflexos em diversas áreas do corpo. Para isso, usa-se um pincel com pêlo de esquilo, que, ao ser passado numa região específica, ajuda a ativar os movimentos da musculatura afetada. Em Campinas (SP), o jornalista Paulo César do Nascimento foi o primeiro no Brasil a recorrer a Clarke. Sua filha, Amanda, sete anos, já consegue soprar uma corneta de brinquedo e seu rosto ganhou mais elasticidade. Há três anos, ela recebe os estímulos duas vezes por dia. A cada dois meses, a menina passa por uma consulta com Clarke, que vem ao Brasil para acompanhar um grupo de pacientes. O sucesso da técnica é compartilhado com outros pais. “Disseminamos a informação. Hoje há 15 famílias no grupo”, afirma Nascimento.