Já ouviu falar em Dennis Kozlowsky? Se não ouviu, não perdeu quase nada, a não ser uma das histórias mais extraordinárias da loucura do poder na vida empresarial. Saiba que ele já confundiu a si mesmo com um imperador. Ex-executivo-chefe da Tyco International, potência americana da engenharia de produtos e serviços que emprega 240 mil pessoas, esse homem de sobrenome difícil de ser pronunciado foi capaz de comprar um cesto de lixo por US$ 2 mil e uma cortina de banheiro por US$ 6 mil. Um surto de excentricidade que não significou nada perto da festa de 40 anos de sua mulher, em que gastou US$ 1 milhão. Foi uma coisa de louco, literalmente. Sob o tema circo romano, ele, o imperador, recebeu artistas de cinema vestidos a caráter, virgens vestais… Torrou dinheiro dos acionistas da empresa. Mas não foi só na festa que ele fez isso. Kozlowsky foi indiciado por evasão de divisas e fraude, acusado de ter simulado a transferência de US$ 13 milhões em obras de arte para outro Estado americano para não pagar impostos. “O cara começa a achar que pode tudo, até brincar de imperador, com toda a pompa e circunstância, financiado com o dinheiro da companhia”, diz James Wygand, representante do grupo Risks Solutions no Brasil.

Calisto Tanzi, o fundador da Parmalat, não chegou a se fantasiar de imperador, mas ganhou todas as manchetes na virada do ano ao ser preso em Milão sob a suspeita de atuar como cérebro de um complexo esquema de fraude e contabilidade. Ele é acusado de apropriação de dinheiro da empresa, de manipulação de mercado, de maquiagem de balanços, entre outros desvarios. Sumiram pelo menos 3,9 bilhões de euros, os rastros das falcatruas, o sorriso maroto de Tanzi e o savoir-faire de um dos principais integrantes de sua entourage, o ex-diretor Fausto Tonna. Pequeno demais para o cargo que ocupava, Tonna jorrou sua ira sobre os jornalistas que trabalhavam na cobertura do caso. “Desejo que vocês e seus familiares tenham uma morte lenta e dolorosa”, disse o bambambã. No Brasil, a Parmalat deve principalmente às cooperativas do Rio de Janeiro e corre o risco de enfrentar a suspensão do fornecimento de leite.

Executivos como Tonna, que na linguagem high society “desviam” montanhas de dinheiro, são assim mesmo, pretensiosos, donos do mundo. As histórias podem ser diferentes, mas a motivação tem a mesma origem, segundo a longa experiência de Wygand no ofício de, entre outras coisas, socorrer empresas em apuros. É a arrogância, a autoconfiança excessiva. “Um sujeito que comanda uma empresa de bilhões de dólares – a Parmalat por exemplo, líder em vários países do mundo – de repente, com a globalização, tornou-se chefe de um império, cercado de modelos, artistas de cinemas, estadistas, presidente de repúblicas, etc”, diz Wygand. Se o sujeito não souber segurar seu ego e não tiver uma boa dose de humildade para entender que ele é responsável apenas pela gestão de uma empresa, cai nessa.

Samuel Waksal, ex-presidente da companhia de biotecnologia ImClone, caiu, acusado de alertar amigos e parentes sobre a queda dos preços das ações pela não aprovação pela FDA (Federal Drugs Administration) de um remédio para tratamento de câncer. Era amigo de estrelas da grandeza de Mick Jagger, característica comum aos executivos que afundam na vaidade e levam junto a empresa.

Imprudência também é palavra-chave no comportamento de quem acha que pode tudo. Uma reportagem de 7 de janeiro do jornal inglês Financial Times conta que muito leite foi derramado na unidade brasileira da Parmalat sob o comando de Gianni Grisendi. A empresa não apresentou lucros desde que começou a publicar seus resultados financeiros em 1997, diz a reportagem. Grisendi, que deixou a subsidiária brasileira em fevereiro de 2000, também deixou uma lição pouco adequada à gestão. Apaixonado por futebol, pôs um dinheirão no Palmeiras, admitiu publicamente não estar preocupado com os lucros e se vangloriou de que não foi questionado pela Itália.

Isso não é crime. Como não é crime a festa de Kozlowsky. Mas mostra o nível de presunção e abuso de poder de executivos com o uso do dinheiro dos acionistas. “Essa mentalidade
acaba prosperando quando você não tem o
bobo da corte, quando o cara se cerca de pessoas que vão falar para ele, em todas as circunstâncias, o sr. está certo, o sr. está certo”, diz Wygand referindo-se especificamente à festa. Vamos ao bobo da corte: quem não assistiu a algum filme ou desenho animado mostrando aquele personagem engraçado, vestindo roupa nas cores vermelha e azul, com três sininhos na cabeça, muito ativo nas cortes européias medievais? Fazia a nobreza rir, se divertir durante os banquetes, mas de bobo não tinha nada. Na brincadeira, não deixava de lembrar ao rei de que havia limites. O bobo certamente não faz nenhuma performance nessas empresas que caíram em desgraça financeira.

Em países como os Estados Unidos principalmente, onde a tendência cultural é de criar heróis no setor privado, executivos que ganham uma fortuna por ano (de US$ 3 milhões a US$ 30 milhões, mais mordomias imperiais), o terreno é fértil para o “despertar” de falsas personalidades heróicas e carismáticas no meio empresarial, gente que tem a pretensão de sonhar ser um Jack Welch, da General Electric, o último dos verdadeiros heróis, considerado o executivo do século, o mais admirado. A história americana do século XX é repleta de fazedores, os empreendedores. Pessoas como o financista J. P. Morgan, que começaram do nada e fizeram um império. Os americanos – que caíram como patinhos no marketing político da guerra do presidente Bush e o colocam hoje como provável sucessor de si mesmo, supondo ingenuamente que a prisão de Saddam Hussein vai acabar com o terrorismo internacional – choram com essas histórias de sucesso e fazem vista grossa a seu conservadorismo quando executivos, tomados pelo glamour, despacham a mulher que começou com eles para circular com uma modelo jovem, uma atriz, uma gostosona. “O glamour começa a ofuscar a sua visão”, diz Wygand. Como a turma da bajulação, a sociedade da corte, que concorda com tudo.

Um outro fator que complica é quando se tem firmas de auditoria fazendo simultaneamente consultoria. O executivo, com o aval do consultor, propõe uma “engenharia financeira fantástica”. O auditor torce o nariz antes de ouvir qualquer coisa do tipo “se você não fizer isso acontecer, vamos cancelar nosso contrato”. Haja topete para dizer vamos cancelar. São contratos milionários, disputados ferrenhamente por quatro grupos internacionais. Ninguém, então, diz ao presidente “isso vai acabar mal” para não perder o contrato.

Mais grave ainda é que a corrupção na cúpula filtra para baixo e aí o dinheiro, e não o poder, é o mais importante, como aponta Wygand. O que acontece: o funcionário passa a ter uma visão de sua companhia como um lugar de fazer mutreta. “Se todo mundo é jogador aqui nesse cassino, eu também vou ser, não vou fazer bacarat, coisa de cachorro grande, mas também vou aproveitar.” Cria-se então uma cultura que, se todo mundo começa a fazer, a empresa não tem como sobreviver. Diante desse quadro, as autoridades americanas criaram uma legislação – a Sarbanes Oxly – que requer que o executivo principal de uma companhia seja responsabilizado criminalmente e civilmente por tudo o que acontece na empresa. O executivo terá que assinar trimestralmente uma declaração de que a companhia está andando na linha – certa, é claro.