Até mesmo Charlotte, uma das personagens modernas de Sex and the city, admitiu em um dos episódios da série que não conhecia bem suas partes íntimas ou, melhor dizendo – e adotando logo um caminho libertário –, sua vagina. Essa peculiar dificuldade feminina é também retratada no texto Os monólogos da vagina, de Eve Ensler, adaptado e dirigido no Brasil por Miguel Falabella. O que a autora registrou informalmente como conversa solitária poderia muito bem ter inspirado a pesquisa Os diálogos da vagina, realizada sob o patrocínio da Organon.
O laboratório, no entanto, queria mesmo era medir a resistência das mulheres a adotar o Nuvaring, um anel vaginal contraceptivo com
menos efeitos colaterais que a pílula, lançado no Brasil no início do ano passado. Mas tanto a comicidade do palco quanto o método científico comprovaram a mesma tese: a liberação sexual não habilitou a mulher a explorar e conhecer as particularidades de seu próprio corpo. Nem a referir-se a elas sem pudores.

Percepção – A pesquisa, divulgada no XVII Congresso da Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia – Figo 2003, realizado em Santiago, no Chile, foi feita nos Estados Unidos com 1.117 mulheres de 18 a 44 anos, de várias etnias. O estudo examinou a percepção que as mulheres têm de sua vagina e a atitude em relação a ela. Apesar de 75% delas acharem que as mulheres, hoje, são capazes de falar a palavra vagina de forma mais livre, 47% consideram que qualquer discussão sobre ela deve ser feita de forma privada. Ainda assim, 35% se sentem desconfortáveis em fazer isso. Quase a metade das entrevistadas – 46% – acha que o órgão genital feminino é a parte do corpo sobre a qual elas têm menos informação e 24% não se sentem à vontade para tocá-lo. Sem falar que 49% nunca fizeram um exame pessoal da região.

O conceito feminino da vagina também deixa muito a desejar. Apenas 36% das mulheres ouvidas no estudo a descrevem positivamente, enquanto, ao serem perguntadas sobre como os parceiros se refeririam à parte íntima delas, 79% mencionam palavras de valorização. Segundo 37% delas, seus parceiros a qualificariam de sexy e para 24%, de bonita (apenas 9% delas usariam os mesmos termos). “Somos induzidas a pensar que a vagina é algo sujo, feio e pouco agradável. A sociedade vende a idéia de que temos que estar sempre ‘secas e frescas’ ou ‘cheirando a rosas’. As mulheres têm que se sentir bem com o odor natural”, defende a sexóloga belga Goedele Liekens, autora do livro 69 perguntas sobre sexo e a responsável por apresentar a pesquisa no congresso.

A especialista também considera um absurdo que a ditadura da
beleza tenha chegado aos genitais. “Muitas mulheres querem fazer plástica nos grandes lábios porque se comparam a modelos que aparecem nas revistas masculinas. Elas não se dão conta de que a maioria dessas imagens é alterada por computador”, afirma ela. Goedele conhece bem o poder da mídia. Antes de sexóloga, foi Miss Bélgica e por muito tempo apresentou programas de televisão em seu país e na Holanda. Mãe de duas meninas, ela afirma que a mudança de conceitos deve começar em casa. “Ainda há mulheres liberadas, cheias de piercing e tatuadas, que não conseguem desenhar uma vagina. A menina deve aprender a conhecer seu corpo”, diz ela.

Liberal – À primeira vista, pode parecer que o resultado do estudo não se aplica à realidade nacional, mas o mais provável é que no País a descontração seja apenas um rótulo, quando a questão é a sexualidade feminina. “A mulher brasileira é mais liberal na expressão, mostra o corpo, se solta socialmente, mas na intimidade continua retraída. Ainda não cresceu eroticamente. A maioria não se toca, não se masturba e fantasia pouco”, diz Gerson Lopes, presidente da Comissão Nacional de Sexologia da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia. Um levantamento feito pelo Projeto Sexualidade da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo com mulheres de todo o Brasil dá conta de que 43% delas relatam alguma queixa sexual, ou seja, não se sentem satisfeitas com a sua vida na cama. Para melhorar esse quadro, uma boa medida, como sugerem a sexóloga belga e as amigas liberadas de Charlotte, pode ser uma lição de anatomia na frente do espelho. E também (por que não?) uma breve consulta ao dicionário para tirar a dúvida de fonética que embaraça até mesmo os ginecologistas: clítoris ou clitóris? Quem tentar vai ver que a ordem dos acentos não altera a importância da descoberta.

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