Agora ninguém mais vai poder dizer que o que se
vê nas passarelas não é usado nas ruas. A partir
de segunda-feira 27, quando começa a temporada brasileira de desfiles outono-inverno, a história será outra. A São Paulo Fashion Week será tomada por
grifes que fazem roupas para o dia-a-dia e têm por
trás de si grandes redes de lojas. A Fashion Rio, na semana seguinte, também apresentará a moda que
vai para as vitrines. Estreantes no chamado calendário oficial da moda, marcas como a paulistana Cori,
a mineira Drosófila e a capixaba Lei Básica somam décadas de atuação no varejo. Grifes mais jovens,
como Uma, Osklen e British Colony, entram para
refrescar o cenário, com seu estilo esporte.

Se não têm a fama de marcas como Forum e Iódice, as novatas da SPFW são tão profissionais quanto. Consideradas grifes médias, têm suas próprias fábricas e equipes de estilo. Habituadas a produzir peças aos milhares, têm ainda uma farta rede de distribuição. Paulo Borges, organizador da SPFW, explica que a idéia de trazê-las para o evento é reforçar seu lado comercial. “Não se faz moda só com designers de vanguarda. É preciso mostrar que o Brasil tem uma indústria capaz de atender à demanda do mercado, exportar. Roupa é como carne fresca: se não entregar na hora, estraga”, explica.

Quando já se tem uma estrutura montada e uma vasta clientela, é possível lançar mão da criatividade, sem medo. Como é o caso da estilista Raquel Davidowicz, proprietária da grife Uma. Há seis anos no mercado, fazendo moda urbana, a marca estréia na passarela paulistana com a coleção Rompedores. As peças vão do jeans com aspecto lavado a camisetas com aplicação de metais e criações ao estilo Mad Max. “Continuo seguindo o meu estilo, mas agora tendo em mente que terei visibilidade”, diz Raquel. Para ela, estar ao lado de grandes criadores e de marcas consagradas exige muita responsabilidade. “Como Calvin Klein ou Prada, é preciso causar impacto, mas só mostrar o que de fato puder oferecer nas lojas. Moda é negócio, não apenas show”, explica.

A partir do momento em que são aceitas
na SPFW, as marcas passam a ter um apelo fashion. Para manter-se em alta, em vez de seguir a moda ditada por estilistas de fora, deverão mostrar estilo próprio. Com 27 lojas,
de Porto Alegre a Brasília, a Osklen chega à passarela paulista com uma proposta de “streetwear fino”. Oskar Metsavaht, seu proprietário, é mestre em misturar tecidos tecnológicos e peças de alfaiataria. Para ter idéia, na coleção de outono-inverno, malhas de tricô e camisas de algodão orgânico aparecem
ao lado de saias de aqualight – uma microfibra
de secagem rápida, que desliza sobre a pele. “Procurei seguir a estética das velas e cascos dos barcos vikings”, afirma Metsavaht.

Mesmo quem já segue o esquema industrial quer estar numa SPFW. É o caso da Cori. Com mais de 40 anos, até 2001 a empresa nunca havia feito um desfile e tinha a imagem engessada: era sinônimo de grife para executivas. Mesmo tendo 21 lojas e mais de 200 pontos-de- venda, na última década passou a ter menos destaque na mídia do que estilistas então iniciantes como Fause Haten. Então contratou o renomado Alexandre Herchcovitch, que reformulou o conceito da marca, transformando-a em prêt-à-porter. Nesta coleção, a Cori trará peças comerciais e ao mesmo tempo sofisticadas, em tecidos como cetim de seda, tricô, paetês e índigo com cetim. “A inspiração é o estilo Memphis, dos anos 80”, diz Herchcovitch. “As estampas geométricas são coordenadas até nos acessórios”, completa. Só a inclusão da grife entre as 37 eleitas da SPFW deve garantir, segundo Rubens Panelli Jr., diretor executivo da Cori, um acréscimo de 30% nas vendas.

Vender o peixe – A exposição proporcionada pelo evento deve tornar conhecida a novata British Colony, do Rio de Janeiro. Criada há apenas três anos pelo empresário Maxime Perelmuter, a grife faz a típica moda de balneário chique, um mix de sportswear, alfaiataria e jeans. Nesta temporada, propõe a mistura de estampas e materiais, como usar camisa de algodão cru com Long John, um bermudão como aqueles de borracha que os surfistas utilizam para se proteger do frio. “Farei um desfile técnico, sem malabarismos”, declara Maxime. “Faço roupas comerciais e estar na passarela só me ajuda a vender meu peixe.”

Sucesso comercial também é o objetivo da Fashion Rio, que começa na segunda-feira 3, no MAM carioca. Tradicional plataforma de lançamento de moda praia, este é o primeiro ano em que realiza uma edição outono-inverno. O elenco, antes marcado por grifes da Barra da Tijuca e de Ipanema, agora terá grandes representantes de fora. A estreante mais famosa é a mineira Drosófila, da estilista Dayse Soares. Criada há 14 anos, em Belo Horizonte, a grife conta com 160 lojas e produz mais de 100 mil peças por coleção. Mais de 80% da produção é de malharia e o restante de bordados feitos por costureiras da favela do Cafezal. “Nesta coleção, trabalhamos
a moda de Istambul, com suas estampas
e bordados”, narra Dayse.

Outro estilista mineiro, Ronaldo Fraga, deve encher os olhos do público. Ele é o diretor de criação da grife Lei Básica, a maior produtora de jeanswear do Espírito Santo. Famoso por seus desfiles de impacto na SPFW, ele tornou a marca mais fashion e colorida. Com isso, no ano passado ela comercializou 1,4 milhão de peças. Satisfeitos, os proprietários Edvaldo e Bernadete Vieira investiram R$ 20 milhões na construção de duas novas fábricas. “A Fashion Rio nos colocará em contato com pessoas de fora de nosso métier e com compradores de todo o País. É a nossa chance de dar o pulo-do-gato”, explica Edvaldo. E para a estréia atrair os flashes, ele pensa até mesmo em levar celebridades para a passarela.