Cidade grande, eu fico na boa, faça chuva ou sol eu tô na terra da garoa. Reveladores os versos da música Moto boy, do carioquíssimo Pedro Luiz e a Parede. Refletem os sentimentos da paulistanidade. Por mais que a situação esteja ruim, quem vive nesse caos, às vezes organizado, mas quase sempre infernal, não consegue pensar em outro sonho feliz de cidade, como diria um baiano que certo dia cruzou a Ipiranga com a avenida São João.
E logo ali, pertinho das famosas avenidas, estão os melhores presentes de aniversário de São Paulo. Ao completar 449 anos, a cidade redescobriu sua própria origem. O até então abandonado centro volta a respirar. Nos últimos anos, uma série de iniciativas injetou energia na região que vai do Anhangabaú ao parque Dom Pedro.

Logo cedo, o som de martelos, brocas e furadeiras toma conta da
região da Luz. A restauração da centenária estação ferroviária é o
pilar da revitalização ou, como prefere a Associação Viva o Centro,
da requalificação. Integram esse processo a revigorada Catedral da Sé,
o Centro Cultural Banco do Brasil, o Shopping Light e o portal da praça
do Patriarca, este último desenhado pelo arquiteto Paulo Mendes da Rocha. Há também projetos para a implantação de um centro cultural
na antiga sede dos Correios, no encontro da São João com o Vale do Anhangabaú, e a construção de uma unidade do Sesc na avenida 24
de Maio. A prefeitura também fará sua parte. Deixará o Palácio das Indústrias, na zona do Mercadão Central, e irá instalar-se no edifício Banespinha, no entroncamento do viaduto do Chá com a praça
do Patriarca e a rua Líbero Badaró.

Mas a menina dos olhos do novo centro é a Luz. A estação receberá galerias subterrâneas de interligação com o metrô, o parque da Luz e a Pinacoteca do Estado, que atualmente recebe uma monumental exposição do pintor holandês Albert Eckout. A intenção do governo do Estado é transformá-la no Marco Zero da cidade. “Equivocadas políticas públicas tornaram o centro um local inviável para a cidade. Mas a região tem uma enorme vitalidade. Por seus 4,4 km2 circulam, diariamente, dois milhões de pessoas. Ela concentra 8% dos empregos da cidade e 40% da área ocupada pelo sistema financeiro”, diz Marco Antônio Ramos de Almeida, presidente da diretoria executiva da Associação Viva o Centro.

Um grave problema do centro é a deterioração de suas casas e prédios. Levantamento feito pela Viva o Centro revelou que há cerca de mil construções históricas tombadas na região. A maioria em péssimo estado. Esse descaso é em parte responsável pela feia imagem que a cidade cultiva. “São Paulo não é uma cidade feia. É mal conservada. A maioria das construções está caindo aos pedaços, sem pintura renovada. Daí essa coloração cinza. Deveria haver uma lei que punisse os proprietários desleixados”, diagnostica o arquiteto e professor da FAU-USP Carlos Augusto Mattei Faggin, 54 anos. De suas pranchetas saiu o projeto de revitalização do Shopping Light, um exemplo de como o centro pode voltar a ocupar o espaço que historicamente lhe cabe. Para Faggin, a solução dos problemas no centro passa pela reocupação da área. Hoje, há mais escritórios e camelôs do que gente vivendo ali. A intenção da prefeitura é instalar sem-teto ou pessoas de baixa renda em prédios e casas hoje desocupadas. Faggin aprecia a idéia, mas com certas restrições. “Ninguém melhor do que um morador para cuidar de seu pedaço. Mas é preciso critério na hora de instalar essas pessoas. O centro tem um equilíbrio delicado. É preciso cuidado para não quebrá-lo”, diz o arquiteto. O caminho a percorrer ainda é longo, mas, do alto do prédio do Banespa, o cartão-postal da cidade, não dá mais para chamar o que se vê só de mau gosto, mau gosto.

MINHA CIDADE

Paulistanos de origem ou por adoção falam do lugar
que escolheram para viver

 

Rita Lee, cantora
“A cidade é tão feiosa quanto charmosa. Sampa tem algo Blade runner: aqui não há colorido suficiente para o cinza, adoramos grafite e odiamos pichação. Moro por aqui há 55 anos e sou feliz.”

Washington Olivetto, publicitário
“Gosto quando o Corinthians ganha. Quero
pedir à prefeita para decretar a transferência
de Robinho e Diego para o Corinthians. E a
todos os paulistanos, inclusive os santistas,
que apóiem esse gesto”

José Luiz Datena, apresentador de tevê
“É um microuniverso do País, que tem no povo
o seu maior patrimônio. Não deve nada a nenhuma outra cidade do mundo. É uma cidade fantástica, mas o trânsito dificulta tudo. Além de
desconforto, gera violência”