Um anônimo cidadão de Americana (SP) telefonou para o jornalista Humberto Rodrigues: “Queria agradecer. Seu livro me fez desistir de cometer suicídio”, disse. Humberto está colecionando histórias parecidas, como um verdadeiro salvador de almas deprimidas. Não era a intenção.

Quando escreveu Vidas do Carandiru (Geração Editorial, 293 páginas, R$ 25,00), pensava apenas em contar sua passagem de 471 dias
pelo maior presídio da América Latina – desativado em dezembro, em São Paulo. No livro, cuja primeira edição se esgotou em 20 dias, o autor conta o dia-a-dia da prisão e narra histórias dos ex-companheiros de cárcere. Mas é a sua própria trajetória – do homem rico que, aos 68 anos, foi preso injustamente – que mais emociona o leitor. Ele dá o exemplo ao mostrar que conseguiu enfrentar as vicissitudes da cadeia: espancamento, noites maldormidas em companhia de percevejos, rebeliões, assassinatos, policiais truculentos. São episódios descritos com realismo, mas recheados de lições de vida que levantam o moral de qualquer indivíduo desanimado. “Virou um livro de auto-ajuda. Eu não esperava”, diz.

Até sua passagem pelo Carandiru, entre julho de 2000 e outubro de 2001, Humberto era um executivo bem-sucedido. Trabalhou em grandes empresas, criava cavalos, passava férias na Europa. Mas os céus parecem ter se inspirado em A metamorfose, de Franz Kafka – livro em que o personagem acorda transformado em uma barata –, e fizeram com que Humberto, um dia, acordasse assaltante. Ele diz ter guardado quadros em casa a pedido de dois conhecidos que não sabia serem ladrões. Só descobriu que as obras eram roubadas quando a polícia bateu à sua porta. Tinha sido delatado pelos próprios ladrões, já capturados, como o mentor de um assalto à casa de um marchand. Julgado e condenado sem ter sido ouvido pelo juiz, esperou por novo julgamento, no qual foi inocentado por falta de provas.

Antes disso, passou 43 dias na Delegacia de Crimes contra o Patrimônio (Depatri), também em São Paulo. O lugar é cenário de uma narrativa marcante: “A galeria foi invadida por um grupo de aproximadamente 20 policiais do Garra, vestidos de ninja, fortemente armados. (…) Ordenaram que todos os presos tirassem as roupas. (…) Os ninjas batiam nas costas e nas solas dos pés, com tacos de beisebol. Vi dois presos desmaiando de tanta dor. Depois disso, jogaram água em cima de nós e aplicaram choques com os bastões. Com requintes de crueldade, alguns procuravam a área genital para aplicar as descargas.”

A experiência fez com que Humberto mudasse de vida e seus pontos de vista. “Para melhor”, diz. “Vivo com menos dinheiro e sou mais feliz.” Hoje, morando num quarto-e-sala “de janelas sem grades”, faz meditação e gosta de caminhar sem rumo. “Tem coisas do cotidiano que a gente não dá valor. Às vezes, comer um pastel na rua é mais saboroso que almoçar num restaurante fino.” Sonha em abrir uma livraria. E uma ONG, para ajudar ex-presidiários. Entre outros ensinamentos que tirou da cadeia, ele cita a solidariedade: “Quero retribuir a ajuda que recebi de muitos lá dentro.”

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