O verbo globalizar não vai sair
da moda, no que depender do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Alçado à condição de um verdadeiro pop star da política desde que venceu a eleição, Lula pretende aproveitar seu prestígio em alta
para mostrar ao mundo que é possível globalizar a bandeira do pacto social. Durante seis dias
dois gigantescos eventos servirão como privilegiados palcos para Lula testar seu desempenho para o
papel que almeja conquistar: o de um dos principais líderes mundiais,
o porta-voz dos países em desenvolvimento. O presidente Lula investiu-se de uma espinhosa missão diplomática ao prometer servir de ponte entre ricos e pobres. Ao deixar Brasília, na quinta-feira 23, Lula levou
na bagagem um contundente discurso, no qual prega o combate à
fome e busca apoio dos endinheirados de todo o mundo ao seu projeto Fome Zero; a diminuição das desigualdades; a instituição de regras
mais justas no comércio internacional; e faz um apelo para evitar a guerra que os Estados Unidos de George W. Bush ameaçam detonar contra o Iraque de Sadam Hussein.

Davos e Porto Alegre distam 10.500 quilômetros. A bela estação de esqui encravada nos Alpes suíços, com seus 13 mil habitantes, imortalizada no romance A montanha mágica, de Thomas Mann, sedia há 32 anos o suntuoso Fórum Econômico Social (FEM), que reúne poderosos empresários, banqueiros, políticos e intelectuais, na maioria representantes do Primeiro Mundo. A capital do Rio Grande do Sul, com uma população de 1,3 milhão de pessoas, conhecida como um verdadeiro enclave petista, abriga o despojado e crítico Fórum Social Mundial (FSM) desde 2001. Lá reúnem-se milhares de ativistas de ONGs, integrantes de partidos de esquerda, artistas e pensadores críticos ao chamado status quo. Na quinta-feira 23, nevava em Davos e chovia em Porto Alegre. Mas desta vez as diferenças entre os dois eventos parecem menores. Ambos começaram com uma mesma expectativa positiva: a de receberem um convidado em comum – Lula. Mas seus participantes também reúnem-se assombrados pelo mesmo pesadelo: o da guerra que os Estados Unidos ameaçam promover contra o Iraque.

Apesar de Lula já ser uma tradicional estrela do FSM, desta vez sua presença em Porto Alegre, acompanhado de oito ministros, ganha um significado bem diferente. É a primeira vez que o irreverente FSM recebe um chefe de Estado. A ligação de Lula com o Fórum Social Mundial é estreita. O idealizador do evento, o empresário Oded Grajew, ocupa hoje o cargo de assessor especial do presidente. A Petrobras e o Banco do Brasil contribuíram para o encontro, por meio de um patrocínio, com R$ 1,3 milhão. Agora, diante do anúncio de que Lula daria o ar de sua graça também em Davos, setores do movimento antiglobalização chiaram. Ele se explicou em nota oficial, utilizando o próprio lema do Fórum Social Mundial. Disse que decidira ir a Davos “para mostrar que um outro mundo é possível”. Lembrou que da mesma forma que o Brasil precisa de “um novo contrato social, é necessário um pacto mundial que diminua a distância entre os países ricos e pobres”.

Assédio – A presença de um governante de um partido de esquerda causou frisson na gélida estação de esqui suíça, cercada por um batalhão de dois mil policiais, que sempre tiveram trabalho para conter manifestantes anti-globalização. Se o PIB brasileiro já havia aderido à onda vermelha ainda na campanha eleitoral, agora chegou a vez da elite internacional. Nos dias que antecederam a abertura do 33º Fórum Econômico Social, chefes de Estado, presidentes de multinacionais e representantes de ONGs que participam do evento lotaram a embaixada do Brasil em Berna, na Suíça, de pedidos de encontros com Lula. A imprensa européia organizou-se para cobrir todos os passos do presidente brasileiro. Se Lula tem laços umbilicais com o Fórum Social Mundial, também tem em sua comitiva um tradicional participante do encontro de Davos, que antes ia na condição de empresário: Luiz Fernando Furlan, que desta vez comparece como ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.

Mas com a ameaça de uma guerra contra o Iraque conquistando cada vez mais oposição, inclusive entre os governantes europeus, os holofotes do FEM voltam-se também para o secretário de Estado dos EUA Colin Powel. O clima de Davos não poderia ser mais frio, diante do medo do terrorismo e da ameaça da estagnação da economia mundial, caso os americanos resolvam mesmo invadir o Iraque. O tema do FEM – “Construindo a confiança” – sinaliza outra preocupação dos poderosos: recuperar a credibilidade dos investidores depois dos escândalos envolvendo as grandes corporações americanas. Não foi à toa que Klaus Schwab, fundador do FEM, lembrou aos antigos defensores do Consenso de Washington que o mar não está para peixe: “Os empresários têm que reconhecer agora que entramos numa fase de modéstia e que a humildade é um valor em alta.” O terreno é fértil para a pregação de Lula em busca de uma nova ordem mundial.