Quase duas semanas depois de ISTOÉ revelar as contas milionárias na Suíça pertencentes a quatro fiscais estaduais e quatro auditores da Receita Federal do Rio de Janeiro, investigações do Banco Central e fonte ligada aos principais acusados indicam que uma operação via Uruguai pode ter ajudado a retirar do Brasil o dinheiro do esquema, supostamente liderado pelo fiscal Rodrigo Silveirinha Corrêa, subsecretário de Administração Tributária no governo Garotinho. As movimentações da agência carioca do Discount Bank declaradas ao Banco Central foram praticamente irrisórias entre 1996 e 2000, quando a maior parte do dinheiro foi desviada. Segundo o BC, a agência do Rio funcionava apenas como subsidiária da instituição em Montevidéu. As autoridades do BC e da Receita acreditam que o dinheiro ilícito era entregue na agência do Rio
e transportado clandestinamente até a capital uruguaia. De lá, sob
a proteção do sigilo fiscal, seguia para a Suíça. A tese é reforçada
por documentos, localizados por ISTOÉ, que mostram que em 1996
o Discount Bank enviou o israelense naturalizado argentino Haim
Rotem para fundar um escritório do banco suíço no Brasil. Morto recentemente em Israel, Rotem foi substituído pelo conterrâneo
Herry Rosemberg, atual proprietário da Coplac, empresa de consultoria que funciona no centro do Rio.

A movimentação financeira dos fiscais e auditores passa por vários países. Além da Suíça e do Uruguai, Luxemburgo é outra parada. Rosemberg e sua consultoria foram contratados para representar no Brasil o Scontinvest Equity Fund, de Luxemburgo, um fundo de capital estrangeiro com sede naquele condado. Especialistas acreditam que esse fundo pode ter sido utilizado para trazer dinheiro dos fiscais da Suíça de volta ao Brasil ou remeter recursos desviados para outros paraísos fiscais. Todo esse imbróglio foi descoberto depois que o Discount Bank suíço foi vendido ao Union Bancaire Privée, que fez uma auditoria e encontrou contas irregulares. Foi a partir daí que se descobriu que os fiscais e auditores brasileiros enviaram US$ 34,488 milhões para as contas suíças.

A maldição de Silveirinha continua a atormentar a governadora Rosinha Matheus Garotinho. Na mais drástica providência desde que ISTOÉ divulgou o escândalo, Rosinha exonerou 40 fiscais que ocupavam cargos de chefia na área tributária. Também modificou radicalmente a estrutura fazendária e desmembrou a Secretaria de Fazenda em duas: a Secretaria de Finanças e a Secretaria da Receita, que vai ser comandada pelo procurador Virgílio Augusto da Costa Val. Na quinta-feira 23, a Delegacia de Repressão ao Crime Organizado intimou os acusados no inquérito que apura lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e corrupção. Somente Rômulo Gonçalves e Lúcio Picanço foram localizados e receberam as intimações. No apartamento de Picanço, peritos da Justiça federal fizeram uma lista dos objetos encontrados. Os depoimentos dos fiscais estão marcados para os próximos dias 30 e 31.

SILVEIRINHA ADMITIU QUE ERA TUDO VERDADE

Os deputados do Rio de Janeiro vêm anunciando a criação de uma CPI para apurar o escândalo, revelado por ISTOÉ, em que quatro fiscais estaduais e quatro auditores
da Receita Federal foram flagrados com
US$ 34,488 milhões em contas na Suíça. Mesmo antes da investigação, os deputados já defendem a prisão dos acusados. A CPI, no entanto, pode provocar estragos na própria Assembléia. Em entrevista exclusiva a ISTOÉ, o economista Carlos Antonio Sasse, secretário de Fazenda no governo de Garotinho, fez revelações que apontam para o loteamento das inspetorias do Fisco estadual entre deputados. Foi Sasse quem nomeou Rodrigo Silveirinha Corrêa para a Subsecretaria de Administração Tributária. No cargo, Silveirinha fez altos depósitos
na Suíça. Sasse também nomeou outro dos fiscais envolvidos, Lúcio Picanço, para chefiar seu gabinete, mas diz que não suspeitava
do esquema. “Sempre apelei aos empresários para que denunciassem qualquer tentativa de extorsão. Ninguém nunca me procurou”, afirma. Ele diz ter recebido de outro integrante do governo, Davi Birman – subsecretário da Receita –, boas referências de Silveirinha e também de Carlos Eduardo Pereira Ramos, outro integrante da máfia dos fiscais. O quarto é Rômulo Gonçalves. Ouvido por ISTOÉ,
Birman negou ter dado as referências.

ISTOÉ – Qual é a sua relação com Lúcio Picanço?
Carlos Antonio Sasse –
Conheço de relação social em Niterói,
onde moro há 50 anos. É uma cidade pequena e conheço todo
mundo, mas a relação é superficial. Não tenho laço de
parentesco, não sou sogro dele.

ISTOÉ – Ele foi seu chefe de gabinete na Secretaria de Fazenda. Qual critério usou na escolha?
Sasse –
Foi meu chefe de gabinete por serviço administrativo, fora de atividades de fiscalização, mas nunca foi meu chefe de gabinete na Secretaria de Niterói. Ali, no segundo mandato do prefeito Jorge Roberto Silveira, trabalhei só quatro meses. Também não é pedetista histórico, pois se filiou em 2001.

ISTOÉ – O sr. saiu do governo por causa das pressões
para distribuir as nomeações de inspetores de fiscalização
entre deputados?
Sasse –
Houve tentativas de distribuir cargos de chefes de inspetores. Seria do interesse do governo negociar cargos na Assembléia como forma de ter maioria. Saí justamente por atritos com o governador com relação à área de fiscalização.

ISTOÉ – A proposta de distribuir os cargos
foi feita pelo governador?
Sasse –
Era sempre do interesse do governo, mas prefiro não dizer nomes. Não posso afirmar que era coisa direta do governador.

ISTOÉ – Foi por seu intermédio que o governo
soube das denúncias?
Sasse –
Foi. Recebi uma ligação da ISTOÉ na sexta-feira 3. Na segunda, me encontrei com Davi Birman, que era subsecretário
da Receita quando fui secretário e hoje é diretor de informática
do Detran. Ele me asseverou que as pessoas citadas eram honestas, que punha a mão no fogo. Na terça-feira à noite, ligou dizendo
que Silveirinha tinha ido à casa dele contar que era tudo verdade
e pedir ajuda, pedir que tomasse conta dos filhos dele se algo
lhe acontecesse. Birman me ligou chorando, transtornado. Eu
disse que procurasse Fernando Lopes, que foi secretário também. Fomos até ele e Birman repetiu a história. Eram mais de 22h
quando ele foi direto contar a Garotinho.

ISTOÉ – Como foi a conversa de Silveirinha com Garotinho?
Sasse –
Birman me contou que Garotinho ligou para Silveirinha. Ele teria dito que entregaria o cargo de presidente da Codin.

ISTOÉ – Foi o sr. que escolheu Silveirinha para o cargo?
Sasse –
Eu o conheci no grupo de transição de 1998, montado
pelo comando de campanha e pelo governador eleito. Ele teve uma atuação muito boa no grupo. Era do PDT e teve também uma referência ética muito favorável externada pelo Davi Birman, que eu conhecia há mais tempo. Escolhi todos os cargos e apresentei ao governador, que os referendou.

ISTOÉ – A mudança da lei que permitiu a Silveirinha assumir a subsecretaria foi proposta sua?
Sasse –
Sim. A idéia era de que o Estado designasse equipes do seu interesse e não da corporação de fiscais.

ISTOÉ – A Inspetoria de Grandes Empresas também foi idéia sua?
Sasse –
O fiscal acostumado com pequenas empresas não consegue fiscalizar uma grande como a CSN. É preciso alguém com conhecimento de informática, contabilidade complexa. O objetivo era juntar os fiscais mais gabaritados, uma idéia tecnicamente correta. Quem escolheu os componentes do grupo foi o inspetor Carlos Eduardo Pereira Gomes, indicado por Silveirinha e Davi Birman.